Friday, December 18, 2009

Feliz ano velho

Eu poderia jurar. Jurar que no próximo ano, mudarei, esquecerei ou farei tudo aquilo que nesse ano não consegui. E todo final de ano, as coisas se repetem. Antigos desejos, anseios ou mesmo amores. Tudo se repete compravando que, sim, a história é cíclica.
O tempo passou, e algumas coisas mudaram. Naturalmente, nada foi uma escolha. Por simples que pareça, as coisas mudaram. Dentro e fora, deixei de lado muito do peso. Deixei que uma certa leveza tomasse conta de tudo. Mas eu ainda poderia jurar que eu jamais me divertirei como me diverti esse ano. Posso jurar que eu não vou mais fumar, beber, beijar estranhos. Poderia jurar que vou esquecer isso tudo, fazer as malas e partir para longe dos problemas. É só uma questão de simplificar. Tudo aquilo que eu amo, tudo o que desejo. A realização, essa realização que todos esperam da vida, nada mais é do que trazer para o amanhecer os sonhos da noite. Esse sonho, há tempos guardados. Posso prometer, jurar que esse ano eu vou realizar todos esses sonhos. Jurar que eu não vou deixar de amar, nem esse ano, nem nos próximos cem anos ou mais.
Mas o que é esse término de ano, senão um término de ano? Algo que passou. A soma de tudo o que foi. Mas será isso uma soma? Talvez, por mais que eu não goste, a Clarice esteja certa ao dizer que viver ultrapassa todo o entendimento. Existe a possibilidade. Mais do que matemática, a importância disso tudo é que seja no próximo ano ou amanhã, ou daqui cinco minutos, eu não deixarei que tudo o que eu sonho se desfaça com o abrir de olhos. São três os desejos. São três.
Eu poderia jurar que jamais vou me esquecer desse texto. Mas isso seria irreal. Por enquanto, só posso jurar que não vou me esquecer disso:

Sunday, November 29, 2009

Ego

Talvez seja o egoísmo. Algo relacionado as formas de relacionamento mais intensas, daquelas de tirar o fôlego pelo olhar, pelo jeito que os lábios delicadamente encostam um no outro. Talvez seja egoísmo, essa coisa de querer tudo para si, todos os pensamentos e a vida inteira. Uma outra versão um pouco mais elaborada. Pensar que desse jeito basta e está ótimo. Versos retorcidos, grandes sorrisos e todos os momentos que se pode dizer sobre a felicidade. Pelos olhos, pelos olhos ninguém morre mais. Talvez seja o egoísmo, esse momento em que pensar para si é criar sonhos. E pouco importa se existe de fato uma finalidade para tanta esperança. A verdade é que tem dias que o calor é incontrolável e que todos os instantes eu projeto um mundo só meu; um mundo perverso, enfeitado, floreado por palavras delicadas, pelo meu corpo, pelo calor e pela intensidade de tudo. Aqui, o imortal é simplesmente uma passagem para algo maior.

Talvez seja egoísmo meu ou simplesmente um desejo, maior e incontrolável, esse de querer tudo para mim.

Monday, November 23, 2009

...

disso, talvez, ninguém nunca saberá. Se foi o começo, re-começo ou simplesmente uma nova arte de amar. Disso, ninguém saberá. Esse perfeito número, uma equação de dar inveja e toda a química do mundo misturada. Vozes silenciosas, mortes medievais, a cada dia me vai um pedaço. Mas, continua assim mesmo. Em pequenos contos, pequenos versos esboçados entre os lábios, gestos e pequenas lágrimas distantes. A cada dia, morro um centímetro. Se é carinho do destino, se é da ordem do castigo. Seja como for, a cada dia, perco um pedaço de mim.

Sunday, November 01, 2009

Apenas.

Adoramos o tempo. Adoradores do etéreo, daquele vazio em que tudo pode, mesmo que por instantes, pequenos instantes. Adoramos como as passagens são rápidas e quase imperceptíveis. A concomitância entre o ser e o estar. As representações do mundo quase como um significado para todas as questões da existência. Esse é o derradeiro momento das coisas. Adoramos o tempo.

Já houve momentos em que contar a idade era quase um levantamento matemático. Hoje, é ato de coragem. Ser aquilo que o tempo formou. Ser a soma da experiência com o tempo. Mesmo as subtrações específicas, aquelas que apagamos no poder da memória, são contabilizadas no balanço geral. Se pudéssemos, o tempo não passaria jamais daqueles instantes de felicidade. Mas é fato que nada dura para sempre. Sejam os sorrisos, os desejos, as promessas ou mesmo aqueles doces discursos do viver para sempre. Os planso nem sempre possíveis. Existir é o cálculo. Existir são todas as somas. Indo sempre para a direção do maior e do melhor. Adoramos o tempo. Ele quem traz as marcas no corpo, tatuagens naturais para lembrarmos o quanto se é possível sobreviver ao mundo. Dores, despedidas, partidas, família, beijos, paixões, amores. O resultado vai ficando nos cantos escondidos de cada um. Nosso tempo particular para processar o que é que a vida nos ofereceu ao longo do andar. E pode parecer pouco mesmo, mas como na matemática, quanto menor o número do resultado, maior foi a soma. Eu penso nisso.

Nos anos que atravessei e não vi. Nos momentos em que tudo parecia uma grande mentira. Nas duras palavras que ouvi. Nas manias que adquiri para sobreviver. Nos amores que eu tive. Nos beijos estranhos. No sexo sem fundamento. Nos momentos felizes. No vício. Nas noites e nos dias. Nos erros que cometi e não sabia. Eu penso em como aquilo que eu mais queria eu não podia ter. Todos os tapas na cara, todas as puxadas de orelha e todos aqueles que se foram ou que eu deixei partir. Adoramos esse tempo.

O tempo que parece apagar tudo. O tempo que conserta erros, ajusta o presente e dá continuidade para o futuro. E mesmo não gostando, é uma data para se entender os pesados anos que se passaram. De batalhas, lutas, mortes e decepções. Nunca o tempo se encostou. Parece realmente pouco. Ou por muito tempo achei que era pouco. Mas é fato, quando ela diz que nada disso foi pouco. Mas para toda história, como apontou Aristóteles, existe o ponto de quebra. Aquilo que separa a dor da vitória. O herói diante do seu confronto. Sem imitações, essa é a vida que construi com o tempo. tijolo por tijolo. E até mesmo ele, narciso, adora a si próprio. O tempo.

Adoramos esse tempo. A soma. A felicidade e a dor andando juntas, cada uma de um lado da via. Adoramos como tudo parece uma agulha e linha: a grande malha de retalhos. É esse o tempo. Tudo recomeça, termina, inicia.

Adoramos o tempo. Apenas 28 anos.

Tuesday, October 20, 2009

um dia.

E quando perguntarem, ninguém saberá a resposta. Dos tempos estranhos, desdobrados em milhares de pequenos instantes. Rápidos, apressados e quase desapercebidos. Do tempo, ninguém saberá o que responder. Tudo em um instante. O gatilho da memória. Aqueles mesmos mistérios do corpo que fazem da alma apenas uma fração de segundo. E quando perguntarem do tempo ou das histórias, tudo poderá ser uma ficção. Essa mania de negar e reler os mesmos pensamentos. Um único dia, uma única forma de vida. Os passageiros apressados, desmascarando o desejo como se fossem artistas daquela peça mal ensaiada por todos. E dele mesmo, do tempo, não saberemos quando, quanto e onde. Respostas inócuas, espaços vazios para um dia virarem memórias.

E quando perguntarem, ninguém saberá a resposta. Se tudo não passou de um velho truque de magia ou se aquilo era a realidade. Do tempo, da resposta, dos momentos e da velha interrgoção:

Tuesday, October 06, 2009

nu e cru

Eu andei pensando.
Pensei nos medos que vim sentindo. Nos caminhos errados. Nas vozes que ouço e não reconheço. No tempo. No tempo como sucessor da imortalidade. Pensei na matéria e na filosofia. Nas gotas que caem do céu. Pensei o quanto tudo é vagaroso. Os dias quentes, os dias frios, os dias bons e os ruins. Essa história toda de contar contos infinitos do amor e do ódio. Essa transformação do corpo. Eu andei pensando em tudo. Na grande soma de todos os medos e nos lapsos de felicidade que acompanham os sorrisos esporádicos. É só uma maneira de expor a vida.

Eu andei pensando nela e na falta que ela faz. Eu nem percebo.São os momentos inesperados, ou partes de momentos em que ela estaria perto. Nos carinhos que ela costumava me dar, mesmo quando eu não pedi. No jeito de cozinhar aos domingos. O tempo, curto, em que ela foi feliz, sorrindo nos shows, indo ao cinema, lendo um livro que eu havia deixado jogado em cima da cama. Andei pensando o quanto eu sou parte dela. Isso eu nunca vou conseguir me livrar. As madrugadas em que eu acordava e a via na sala fumando um cigarro. Andei pensando em como tudo foi rápido demais e eu não percebi. Lembrei daquela tarde e da semana anterior. Eu estava tão distante. Lembrei o quanto, hoje, eu queria poder contar e deitar no colo dela.

Os pensamento, todos eles, acompanhados de dias bons e dias ruins. Esse mover de coisas que eu faço só para não me distrair. Os segundos contados, as horas intermináveis. As vezes, os dias parecem não acabar. Será que faz tanto tempo assim? E me entristece quando eu tento lembrar, e não consigo mais saber como era o rosto dela. As recordações, como me disseram, viraram a saudade. Será isso viver em tempos mortos? Essa busca constante para preencher um espaço, um vácuo tão grande que nem mesmo eu consigo calcular.

Tudo isso junto. Assumindo a saudade. A conclusão de que no fundo, ninguém é forte o suficiente. Eu mesmo que me imaginei um dia corajoso. Não há força para se controlar uma saudade. Não há força para os dias ruins.

Nesses dias, só mesmo ela, só ela, conseguiria me fazer sorrir.

Wednesday, September 23, 2009

You live, you learn

Eu tive braços. Eu tive mãos. Tive pernas e pés. Tive os olhos, a boca, o nariz e o ouvido. Tive a ponta dos dedos. Tinhas unhas e digitais. Tive as costas. Tive o cérebro. Mantive meu coração. Silenciei minha voz. Troquei meu peito e experimentei o estômago. Senti pelos fios de cabelo, pelas narinas, pelos poros abertos. Eu tive as dores. Tive os sonhos em bolhas de sabão. Tive o prazer e o desamor.
Eu tive os braços feitos para segurar o seu corpo. Tive as mãos nos seus cabelos. Tive as pernas e os pés encostados no seu caminhar. Tive os olhos dentro do seu mundo, a boca beijando a sua, o nariz no seu cheiro e o ouvido para sua voz. Tive a ponta dos dedos presas em suas mãos. As unhas arranhando suas costas e as digitais provando que eu era seu. Tive as costas para carregar o mundo, o nosso mundo. Mantive meu coração para contar as horas em que não estive ao seu lado. Experimentei as dores do estômago.
Eu tive os braços para voar sempre que preciso dentro e fora de você. Eu mantive meu coração, ardendo, calado. Eu mantive tudo.
Inclusive, você, em tudo que sou.

Monday, September 21, 2009

Setembro.

Nunca setembro demorou tanto para passar. Vagaroso, eu diria. Os dias tão instáveis, presos e seguros por um único fio, fino e delicado. E tudo isso pela sinceridade de deixar de lado os motivos para sorrir, deixar de lado os olhares, o corpo, as formas de diversão. Tudo colocado na espera. Nunca tudo isso demorou tanto para passar. Esse ceticismo em não acreditar em nada e o o orgulho que deixou de ser passageiro. Os longos chuviscos do inverno nada frio, sem mãos no bolso, somente o recolhimento necessário. Nunca em setembro tudo ficou tão sem sentido, como agora. Os passos largos, a pressa de acordar e a ansiedade em dormir.
Como se mede um caminho quando não conseguimos ver o fim? As pessoas ao redor, os carros passando apressados, os faróis verdes, vermelhos, pontos, pessoas, casacos, calçadas e fachadas. E mesmo as coincidências parecem ter se perdido nas entrelinhas de tantos pensamentos entorpecidos. Vozes e cores, música para deitar.
Depois disso, acho que nunca nada será igual.
Ainda assim, setembro nunca demorou tanto para passar.

Sunday, August 30, 2009

Frias almas

Seria a redenção a melhor forma literária de se construir o personagem principal? Dos filmes pragmáticos, dos escritos antigos, das formas mais variadas de se descrever o encontro da vida com a realidade. Com tudo isso, seria possível que a redenção fosse a melhor escolha? Render-se ao temor das religiões, render-se à deus, ao paraíso e à moral como a arqueologia perfeita na construções da sociedade. Sociedade interna, dona dos nossos segredos indiziveis que estão colados ao espírito como se fossem um só. Essa mesma dona, senhora do mundo obscuro em que habitamos na solidão do dia-a-dia. Sim, a consciência de que somos capazes de ter. Esse lugar, velado, selado que vez ou outra nos assombra nas mais variadas formas. Dar lugar ao saber e ao conhecimento de si próprio. Como pode a alma ser uma essência pura? Será que é nela que reside a nossa ingenuidade, nossa inocência e ao mesmo tempo o nosso pior. Não é sequer uma prerrogativa. Isso tudo que não entendemos.

Na antiguidade, diziam, ser o fígado o resposável pela nossa natureza; No romantismo, nos voltamos ao coração e sua engenhosidade como símbolo de vida e pulsão. E não seria de se estranhar que no mundo contemporâneo o cérebro fosse o órgão a ditar as regras da nossa vida. Mas a dissociação dele com a nossa alma, com o nosso espírito ainda reside no plano das suposições. Como se render ao fato de que somos compostos pela ciência e pela imaterialidade? Esse cérebro que nos é tão estranho e ao mesmo tempo tão intrínsico ao nosso viver, nos faz questionar a grande interrogação de "quem somos e do que somos feitos?". Essa nossa "alma" comandando tudo o que somos. Feitos de consciência, consciência tardia e não muito evoluída. Essa consciência egoísta que nos traí, nos deixa à deriva, presos na beira do penhasco.

Seria essa a redenção para todas as questões? Quer dizer, ser a alma a guardadora de todos os nossos segredos, de todas as indagações. Quem somos, o que sou, por que faço e para onde vou. Se existe essa linha tênue entre o nosso cérebro-comandante e a nossa alma mais romântica, seria a consciência uma simples mediadora entre esses dois mundos? Mundos negados, mundos religiosos, científicos e tão irreais?

Seria a redenção a melhor forma de se terminar um texto? Viver a vida dos outros, ao invés da nossa, é render-se ao mais perfeito altruísmo humano? Para onde se vão os olhos nessa redenção?

Para onde se foram os meus?

Monday, August 10, 2009

Agosto

Isso eu nunca vou saber. Do que é feito um abraço desse jeito ou como deve ser um conselho dele. Nunca vou entender tantos motivos e tantas desavenças. Das broncas que nunca levei, dos passeios aos domingos em que nunca fui, das conversas e do jeito de acreditar em mim. Nunca vou saber do que é feito esse amor. Tive dela, o amor dos dois. Tive dela as broncas e os passeios. Os conselhos sempre racionais e a delícia de ser abraçado. Dele, ficou faltando muito. Dele faltou tudo. Nos momentos mais tristes, na ausência dela e no caminhar. Nunca saberei o que é desabafar, falar de como, às vezes , eu detesto o meu trabalho e dos meus amores impossíveis. Ele que nunca se manifestou e eu que fui obrigado a me reconciliar com uma história que eu nunca tive. Isso eu nunca vou saber. A delícia de sentir-se filho. A delícia de ser abraçado e amado por ele ou mesmo um carinho com as mãos fortes que eu herdei. Os passeios de bicicleta, as brincadeiras mais bobas e até mesmo os péssimos hábitos adquiridos. Dele, só as lembranças que me esforço para esquecer.

Isso eu nunca vou saber. Se tem explicação, se é só o jeito que as coisas são. Dele que herdei as mãos e o queixo dividido.
Mas procurei muito dele em todos os lugares. Procurei em mim. Procurei em braços estranhos. E ficou só isso. O espaço vazio que ele deixou e minha adoração por mãos. Talvez um dia eu saiba o que é ser, mesmo não tendo recebido.
Isso eu nunca vou saber.

Dele, nunca saberei o porquê de tanto desamor, tanta resistência e tanta amargura. Dele eu nunca vou ouvir. E ainda assim, desejei ontem, no escuro do meu inconsciente um feliz dia dos pais.

Friday, August 07, 2009

Michel Foucault

É tudo uma questão de castigo. Em casa, na rua ou em qualquer outro lugar. Vigiar e punir. É tudo uma questão de entender e estender o poder. Esse mesmo poder que agora se instituiu a todos e para todos. Nessa hierarquia mal construída, todos temos micro-poderes. Vigiar e ter a sensação de que se pode, mesmo que pouco. Denunciar, delatar, servir ao modelo maior da moral. E a boca, aposto, saliva naqueles que se dizem sargentos da sociedade. E voltamos à nossa querida infância onde a malcriação era severamente punida. Mas ai, vêm os guardiões da moral dizer que é uma questão de saúde pública. É, a saúde pública em um país, seja da ordem que for, da classe que for é, de fato, uma preocupação social. Especialmente aqui em que as regiões carentes se encontram em estado de plena miséria, é de fato questão de saúde pública proibir o fumo em locais fechados. É tudo uma questão de castigo. Se ninguém quis parar de fumar - o pai avisou - a solução foi proibir. Não tenho como me sentir mais criança. Como aquela criança sentada na porta da casa, com a mãe na cozinha fervendo a água para misturar à farinha e fazer o que eles entendem por comida. E claro, essa água era para durar a semana inteira, mas a fome falou mais alto. É uma questão de saúde pública que não temos memória política.

É tudo uma questão de castigo. Outro dia, li no jornal o presidente pouco se lixando para o que está acontecendo em seu governo. Virei a página e veio outra notícia falando sobre um casal de homens que foram espancados na porta de casa. No outro caderno, saltou-me aos olhos a notícia de que a bancada do PMDB tentará arquivar hoje os sete processos que restam contra Sarney no conselho. No mesmo caderno, um depoimento chocante a respeito das novas descobertas do colesterol. E a carta de uma mãe enviada à colunista especialista em comportamento e sexo, dizendo que manteve relações sexuais com o filho e que agora estava grávida. É, e aqui perto do trabalho uma manifestação a favor do fretado e professores da rede estadual reinvidicando por melhores condições depois que o colega foi morto dentro da sala de aula.

É, realmente, é uma questão de saúde pública. A idealização da classe média, por fim, chegou ao seu ápice. Vamos proibir o fumo em qualquer situação. Os direitos iguais castrados. Sinto que sofri um estupro mental. Lotes para se fumar fora. Lotes de 6 a 5 pessoas fumando na rua, vigiados pelo segurança carrancudo. Se pago imposto, se contribuo como qualquer um, pouco importa. A bola da vez é a classe média. A ascensão do novo burguês, que agora está protegido de nós, os fumantes insensatos e assassinos. A classe média está a salvo. Sentados à mesa do restaurante, a família ri e brinda feliz - com fumaça de cigarro à parte, por favor. O falso moralista ergue sua bandeira e finca o estatuto dos bons costumes. Nova lei, nova regra. As placas insinuando a punição. Lá mesmo, bem longe disso tudo, está a depravação da miséria. Mortos de fome, desmatamento e políticas ainda do engenho. Quem liga? Hoje vindo para o trabalho, um funcionário da CET, parado na avenida Santo Amaro, tapava o rosto depois de ser bombardeado pela fuligem dos carros. É uma questão de saúde pública. Avante moralistas. Brindemos à queda da democracia. A enfermidade que se enraizou dentro de todos nós. Agora, já acumulo a falta de direitos. Não tenho mais o direito de fumar, nem em áreas reservadas, e não tenho o direito de unir-me legalmente a pessoas que eu amo. É uma questão de saúde pública.
Não é mais uma questão política. Citar teóricos? Muito menos. Quando se dá, quando se transforma o poder e o distribui em pequenos pedaços, transformamos o Estado naquilo que ele mais quer: o poder absoluto, sobre tudo e sobre todos. E agora, além da grama do vizinho ser mais verde, teremos que aparar a nossa e a deles. Sim. E enquanto isso, todo mundo pro quarto de castigo.

E se eu te pegar fumando mais uma vez, eu denuncio você.

Monday, August 03, 2009

Depois.

Todos os dias, chuvas de sol, manias de escrever escondido do tempo. Aquele florescer natural de arrepio. As vozes intercaladas, dizendo razões para o futuro, promessas mascaradas e outras formas de sentimento. Queria poder dizer "hoje está chovendo". Hoje o dia amanheceu quieto, sossegado e nem mesmo um pio se pode ouvir. As rodas dos carros passando nas poças d´agua. O barulho da chuva caindo nas folhas do jardim. A cama vazia, estirada, perturbada pela saudade salutar. A ausência do corpo e daquele calor rotineiro que nos acostumamos.

Todos esses dias. Dias de partida. Dias de saudade. Saudades do gosto da boca, ainda relembrado por cafés e sobremesas delicadas, pelo gentil calor misturado aos novos ares. O sabor da pele. Um cheiro diferente. Novos retratos, novelas, músicas e livros. Todos os dias aquele gosto a caminhar pelo canto da boca, querendo adivinhar se é saudade ou manifestação da mente. Em noites quentes, o delicioso barulho dos restaurantes, da cerveja e do vinho. Delicioso afagar de cabelos, barba mal feita e roupas de viagem. Tão presente, perto e distante. As vozes se intercalando, ruídos e a saudade que não se vai.


Escondidos no tempo, ficam os dias de sol.

Monday, July 27, 2009

Enquanto isso...

Eu corro, pra lá e pra cá. Procuro brechas para poder preencher seu coração. Sou vagabundo quando posso e humilho todos os meus sentidos em troca do seu sorriso sincero. Quando posso, peço sua coragem de homem bravo e me jogo ao mar, esperando seus braços - nó de marinheiro.

Me jogo aos leões como um astro romano. Em vão, acabo me perdendo no acaso e nos desencontros do sábado a noite. Eu, um cigarro e o calor. Vou indo, correndo para o primeiro sorriso encantador. não tanto leviano, descubro sinceridades esporádicas. E assim vai funcionando. Desato o nó, reaqueço os tambores e volto a tocar uma música familiar. Notas elevadas, tons graves e agudos. Tudo misturado ao som daquele nome. É exagero. Sei bem quando entro em estado de fuga. Corro pra lá e pra cá até parar. Mas é sincero: minha cabeça encostada de abandono. É sincero. O número do meu telefone e o jeito que falo. Perfumes desconhecidos e palavras novelísticas. Um certo ar de timidez que não engana ninguém. Texto sincero. Sem subjetivismos. Fato: o velho ditado começa a ser mastigado. Se der samba...

Mas eu corro. Eu corro bem longe dos largos abismos do seu coração estranho. Para você eu serei imortal. Até os beijos que me fizeram esquecer toda a história mal contada. Até o carinho que me levou ao estado mais sincero. Meu corpo, dois tragos e um gole. Me recolho ao desdém e sou assim. Fazendo cara feia e contorcendo o nariz.
Meio apressado, eu corro pra lá e pra cá, tentando te achar e encontrando o acaso.

Thursday, July 23, 2009

Inverno.

Talvez seja isso mesmo. Uma grande soma de tudo que existe, existiu e existirá. Conjugar em todos os tempos a mesma coisa. Talvez seja isso. Escrever um texto como se fosse a primeira vez. Segurar o lápis apontado, encarar a folha branca e inóspita. Timidamente desenhar a primeira letra daquilo que pode ser o começo da vida. Talvez seja isso.

A primeira vez que olhamos para o mar. Aquele breve momento em que enxergamos uma distância sem calcular o seu término. Grandes espaços de paisagens infinitas. Talvez seja isso.

A sensação de que o mundo não é uma coisa só. Esses aglomerados de imagens, sobrepostas umas às outras como livros em uma estante. Um futuro que não conseguimos imaginar. Talvez seja isso.

A versão mais curta dos fatos: esse é o destino dos fracos ansiosos. A versão curta e editada do que pode acontecer. Ninguém entende de amor. Ninguém entende da morte ou mesmo do começo de tudo. Tantas desilusões e pouca lição. Os deveres de casa a começar pelo exercício de matemática. E nada fez sentido. Talvez seja o inverno onde tudo fica reservado dentro do corpo, percorrendo lugares inusitados, passeando pelos poucos momentos de calor, a mão caída no corpo, o copo de vinho e a risada mais sincera do mundo. O frio, o frio que reserva surpresas quentes, olhares distantes, olhos entre-cortados pelo vento e a boca rachada. Um certo gosto de quero mais por todos os minutos de um dia. Daí, entram as horas, sempre vagarosas como se para elas o tempo não existisse no relógio, mas fosse um outro tempo, talvez mais demorado do que o restante do dia. Pode ser a loucura. O frio tem dessas coisas. A busca constante pelo aquecer, o pouco que se pode ter com os casacos e as aconchegantes blusas de lã grossa. Talvez seja isso. Um sensação infantil, rápida como a primeira palavra do dia e a última palavra de uma despedida. As vontades, como o frio, procuram momentos, eternos momentos e aguardam ansiosamente o dia da despedida. Mas esse dia parece nunca chegar. O dia do adeus, do até logo e do simples tchau-até-amanhã. Pode ser o frio. O inverno que faz o corpo se recolher, deixando a pele mais sensível, o lábio rachado e as mãos escondidas no bolso. Talvez seja o frio. O inverno deixando tudo uniforme ou a mistura de todas as cores, de tudo que se passou e remontando um novo começo. Máscaras e mais máscaras, toscos jogadores, versos incompletos, matéria do amor. Nunca é possível terminar um texto. Antes de tudo, o adeus à palavra. Talvez seja isso.

Talvez, não.

Tuesday, July 14, 2009

Do mundo, nada se leva.

Me recordo de um filme antigo: Do mundo nada se leva. Assisti ainda criança, sem entender muito, mas apreciando o preto e branco, Uma espécie de comédia que precisava do auxílio perspicaz de minha mãe explicando piadas e entrelinhas. "Repare nessa cena". "Você prestou atenção no que ele falou?". As memórias frágeis da infância que trazem consigo os tempos mortos e tudo aquilo que jamais voltará. A suposta inocência que perdi, as brincadeiras e aquele pouco que bastava por dias e dias. A sensação de que o tempo não existia, como se os instantes vividos dia-a-dia fossem apenas bolhas de sabão: subiam nos ares, duravam pouco e estouravam deixando cair uma seqüência de pingos coloridos. Aquilo, aquilo era pura magia. E só alguns anos mais tarde pude entender que, de fato, do mundo nada se leva. Sejam as memórias, os ensinamentos, brincadeiras. Do mundo, nada se leva. Meu eterno reencontro com fantasmas estranhos, vultos sem face, sem as drogas, sem o vício tosco e sem as necessidades frugais de hoje. Presente, passado, todos os tempos misturados sem nenhuma conexão.

Me recordo de ditos populares. Memória impertinente do espírito. Sombras do passado, delícias de se relembrar os filmes antigos, os livros velhos da estante e as brincadeiras delicadas. Naquele época, tudo bastava. O pouco que se tinha, o muito que se podia ter. Naquela época, ser criança era a ilusão do mundo. Ser criança era se negar para o mundo, era ser pelo pouco. E isso bastava.

Monday, July 13, 2009

O maquinário das armas dispostas, pronto a entrar em ação.
Fontes, cores e formas juntas na formação de um grande exército dominador.
A vida.

Outros, sonhos e iludidos pelo olhar banal
Céu, cortes e calor invernal
Sem dores no peito, rimas certas - sonetos cancionados
Aqui vai outro jazigo para memória

O maquinário das armas disparadas
Estouros
Estrondos
Estopim e toda a margem posta frente ao matadouro.

Um poema - uma arte. Todas as sensações entre estações e estados.
Um poema é um trabalho - forma de vida e experiência do imortal.
Toda palavra é uma máquina. Forte, viva e pesada.

Era somente uma prosa desconexa da palavra. Assim como todos os cantos do mundo, todos os cantos d´alma, do voz alta erguida pela garganta faminta. Tudo aquilo que se move rapidamente partindo ao meio verdades categóricas. Adeus ao pragmatismo. O romance tem hora para começar. Romance dos cabelos negros e despenteados. A cruz daquele que anda, descalço à procura de razões subjetivas. Deus e o diabo na terra do sol. Cinema de raiz, cinema de Fellini, cinema de Cortázar. Toda a herança cultural. Simples conversa de butequim entre amigos e afetos. Trocas de mensagens instântaneas-virtuais.

O maquinário das armas dispostas, pronto a entrar em ação. Batidas musicais, danças rituais e o coração, prestes a virar bomba atômica.

Monday, June 29, 2009

Por ai, vai.

Seja no céu, no céu de estrelas cadentes, seja pela ponte, fonte, cor, som ou borbulhar. Lá ou aqui. Tudo que é errado, duvidoso ou mesmo infeliz. São dúvidas somadas à vida. A vida como um mero acaso. Uma mera coincidência de fatos e eventos dispersos. Desse mesmo destino desfeito. Destino. Do latim destinare. Trazer junto. Esse pequeno significado impresso nas páginas do dicionário de latim e a busca pelo sentido. Destino. Seja no céu, nas linhas escritos sobre o corpo, uma pequena cidade. Das forças ocultas da antiguidade, a fome de vencer obstáculos. Letra de música e livros empoeirados na estante. Esse mesmo destino de unir, des-unir ou subverter a realidade. Da ponta dos dedos, a água mágica, da ponta do cabelo a gota da manhã, dos suor, do tempo estático. Seguro nos braços, seguro nas palavras mal faladas, seguro pelo olhar. Seja pelo céu, seja pela loucura das estrelas, seja pelo antes e pelo depois das marcas, da cidade, do luar, ruas, estradas, destino ou pela desunião. Fruto do acaso, fruto dum ar diferente. Pequenas orações. Frases curtas. Pequenos detalhes de tudo. Um pouco de tudo. Um pouco das linhas barrocas, muito de mim, da minha pele, dos meus traços e ossos. Muito da vida que sai facilmente pelas minhas mãos. A ponta dos dedos querendo mostrar paisagens desconhecidas. E por ai vai, seja pelo céu ou pelas estrelas, caminhos desiguais, certos e inesperados.

Por ai vai.

Wednesday, June 10, 2009

A Marca na Parede.

Entre todos os pecados revirados no estranho mundo da imaginação, escolho e abdico este. Todos os males míticos que me empedram dentro de você e que ao mesmo tempo consomem meus olhos, minha saliva e meu sangue. Pulso versos, jogo imagens e, em mim, tudo se projeta sem cor, sem som, se vez para pensar em algo que possa ser mais profundo. Assim, meu pecado, ou como diriam, meus cavalos demoníacos, enfeitados com ornamentos tribais, galopam entre colinas que não existem e sonhos impenetráveis. Meu coração, branco, selvagem, nem saberá o que se passou no processo de escrever estas palavras. Mas enviarei esta carta com forças que não me dão as palavras tão secas. Quero pecar dentro dos limites que meu corpo permite, e deixar solto os animais selvagens, ou seja lá o que for.
Abdico a Deus, à carne viva que me deste, à vida enquanto projeto de carência, ao coração satânico que borbulha suas imagens e, por fim, abdico a mim por ser que sou e por tentar erroneamente escrever-lhe esta carta. Em tempos que pulo no salto de uma imaginação esperta, vejo-o num futuro permissivo à minha memória que não conhece o tempo da vida. Se os relógios...Enfim, o que é abdicar a tudo que se valha por desnecessário entre eu e você? Mas choro pela escolha de não saber reparar os danos tão frágeis que cometi num surto da vontade de uma vida à espreita de outra que se pudesse valer ou coloca-la em xeque. Por isso, abdico à minha vontade de saber se teremos um futuro de paixões violentas, e a você que sei, me daria tudo isso. Não são somente suas palavras, ou seus olhos infantis que bailam ao som de nossa conversa. Apenas ao tétrico momento de instantes, como diria agora, eu trago-lhe minha posição: abdico-te.
Esqueço-me da carta acreditando criar uma ficção que me faça, e faça a você, uma estória futura trazida ao presente de meu devaneio. E são somente as palavras que me acompanham no instante em que vejo seus olhos colados ao meu na sinceridade que somente eles sabem revirar na procura de algo ou de alguma coisa. E essa imagem, tão familiar, atravessa meu corpo sem que eu perceba. Meus olhos ouvem tuas palavras e meus ouvidos ressoam sua imagem na atmosfera noturna de uma noite friorenta. E vejo todos....
Abdico.
Meu pecado maior é ter entre meu corpo você em água salgada e seus beijos que somente imagino em sonhos transpirantes. E como será ter um pecado entregue ao Diabo, à luxúria de todos os prazeres de um corpo ardente, quase febril, que espera, espera, espera por todos os galopes que este cavalo me dá? São as interrogações ligando-me à loucura. É você que me assombra com desejos perversos que fazem as mãos percorrerem meu corpo em busca de prazer. E quando vejo, já não é mais essa a carta e nem a você que desejo remeter; é algo outro, como se escrevesse a mim palavra tão tola. Amanhã enviarei ao correio somente a frase “abdico-me a você” e, assim, jamais saberei a quem remeti, pois você está em um sonho do futuro-presente-passado, próximo a tudo que conheço por imaginar. E se mesmo imaginando te sinto, será o presente o ladrão dos meus sonhos. Lembra-se da noite em que me recitou sua vida? Pois foi nela que banhei-me e não com o luar nem com as notas musicais...ô luar...
O que você diria de meus pecados? Amar-te? Serei sempre eternamente um galope de meu demoníaco cavalo, correndo pelo seu corpo, imaginando-te a pele branca recostada em meu coração tão branco eu...Imagino essas reticências em nosso tempo, um no outro e a febre de meu cavalo já louvado. E como diria, enterre-o, mate-o e coma esse animal, essa corrente do fogo azul, anil, e todas as cores. E o que diria de meus pecados? Cavalarias, infâncias, e o crepúsculo escurecido de todas as minha vozes, essas que não digo, silenciadas, sem moral alguma! Permite que adentre ao mundo de caos e entrego-lhe minha rosa vermelha em esperanças de outro tempo: àquele que me faz sonhar e deixar cair por sobre seu corpo quente minhas frias lágrimas. Espero no fio da noite apenas uma corda daquele seu instrumento tão poderoso que é a sua voz feita de seda. E em mil panos me retalho para ver-te partir nas sombras do meu desejado futuro. Deixei cair algumas das pétalas que me deste com tua boca e pelo chão, nesse esteio de palavras girantes, perdi-me em você. Sinto esta carta transformar-se em derrilição, pura magia sedutora do Diabo em teus olhos satânicos, tão próximos como os dentes do predador. E sou a caça. A caça de tudo isso que me devora em pedaços finos, preso em teus dentes alvos. Sou apenas a presa da caça. E estou raciocinando um momento de lucidez: fundir-me em seu corpo, tomando a vista do mar e entre as ondas circulares e ovulantes, vejo-me em você, dentro, tão dentro que não reconheço meu corpo, senão o seu. Minha presa! Sonhei com meu cavalo, com os fantasmas daqueles olhos vibrantes (ou penetrantes?) e acordei banhado de sonho. Você me faz sonhar com esta carta, com suas vozes em meus olhos...Contorço meu estômago para digerir você como um alimento engenhoso, criado por Ele, criado por mim naquele mesmo futuro de que lhe falei, no qual sonhamos um com o outro na esfera transversal, no campo e naquela rede onde batia o fino sol da tarde e você me beijava. E são apenas palavras incertas de meu desejo, que já nem é mais secreto. Contei a rosa vermelha meu verdadeiro anel de prata e entreguei-o a você naquele sonho afoito entre a vigília e o acordar. Traga-me o caos que lhe peço por esta carta tão sóbria de mim e lhe entregarei a saliva de minhas mãos ao escrever-te esta carta.

Sonhei com você. Sonhei com seu rosto. Fiquei, ou sou, louco. Seu rosto. Abdico a você. Essa carta é somente um arremesso de meu coração; uma tentativa frustrada de entender meu corpo em você, e meus galopes nas mãos do Diabo.

Saturday, May 30, 2009

Em todas as alucinações, em todos os sonhos de doçura e ira, algo me foi possuído. Os dentes afiados pedindo misericórdia para a besta que caminhava devagar, como uma serpente, rastejando pedaço por pedaço até formar um círculo de fogo. Ao meu lado, deitado calmamente esteve o demônio da eternidade. Enxergou-me diversões, espetáculos circenses, rasgando-me com suas garras enormes. Ao meio, fui partido, cindido como um animal sem fuga. Um belo jardim florido, caminhávamos nus pelos grandes campos coloridos. Essa era a minha existência. Eu estive lá no começo e no final. Alcançaram os malditos, a vulgaridade e meu espírito tornou-se a maldade encarnada. Os reflexos do espelho sumiram como se eu fosse agora um vulto daquilo que um dia pôde existir. Em todas as minhas alucinações, nesta tornei-me maléfico. Deitei na cama de espinhos, ardi no fogo brando dos céus e cuspi chamas de lúxuria pelo mundo onde passei. Destrui laços, raptei sonhos e espalhei a cobiça. Eu sou a besta. Eu fui o oceano e o espírito do amor. Um dia amei. Evoquei os deuses mortos.
Eu fui Medéia.
Assassinei meus filhos em nome do amor perdido.
Eu fui Cassandra e previ o ódio no mundo.
Eu sou édipo.
Quando anoitece, em meus círculos de fogo eu praguejo. Deito o corpo na lama e sonho pesadelos de eternidade. A felicidade que se foi. Eu me tornei a alucinação da mãe morta. Por onde passo, meu rastro cobre com um manto negro os passos alheios. Eu vejo o ódio e desperto o pior de tudo. Eu sou a besta rastejante, a cobra e o veneno maligno. Eu vi o demônio e para ele preparei o meu corpo. Eu fui esquecido.
Eu fui morto.
Eu me tornei o contrário, o avesso e a felicidade. Eu sou aquilo que sonhei.

Monday, May 18, 2009

Tim tim

Das relações pessoais, entendemos pouco. Um pouco de nada, um pouco daquilo que se foi e do que está por vir. Ainda, as lembranças do passado, pouco a pouco se costurando, fazendo uma pequena colcha colorida como arte do passado. Tudo tem um curso secreto, estranho e tortuoso. As vidas que se passam, vão longe pelo paraíso deserto das lembranças. Ibsen dizia que o homem mais forte é aquele que se mantém sozinho no mundo. Não há como negar tal força. Mas a solidão, tal como tantos outros buracos no caráter, também é a covardia. Covardia do cansaço. Uma certa preguiça moral em se relacionar com o mundo. A professora Sumiko, nas aulas de linguistica, todas as terças e quartas, explicou inúmeras vezes o quanto a linguagem depende do outro. Minha mentora, Rosana Paullilo, já falecida, ensinou-me que o mundo, o mundo como representação, é um espetáculo à dois. o eu que não existe sem o tu. Claro, Benveniste explicou-se melhor dizendo que só nos constituímos como sujeitos à medida em que o outro existe. Caímos na filosofia. Somente um tolo para acreditar na dialética do bem e do mal - para existir o bem, o mal deve existir. Nietzsche, que tanto cito, não poderia estar mais correto. O mundo, nessa representação à dois, luz de velas e taças de vinho, não poderia ser mais pesado e prazeroso. Por quantas vezes esse tu aparece como um mito. O tu do desejo, dos lençõis, da cama desfeita e do café da manhã. O mesmo tu da guerra, do ódio e das maravilhas do antigo mundo.
E fica sempre por um fio. Tênue, delicada e frágil. Somos a grande experiência de deus. Somos a verdade e a mentira, juntas, criando espaços inabitáveis.
Quanto ao Ibsen, sozinho é aquele que encontra a derrota da vida. A força falsa de viver à dois. Ou mesmo o Hesse quando disse que o homem é o lobo do homem.
Um brinde.
Que não teria o menor sentido, se não houvessem duas taças.

Wednesday, May 13, 2009

Writers block

A criatividade se foi. Morto o iluminismo, morta a inspiração. Algo que traduza bem o momento, a febre, a saúde. Tudo revirado:

I'm feeling rough
I'm feeling raw
I'm in the prime of my life
Let's make some music make some money find some models for wives i'll move to Paris, shoot some heroin and fuck with the stars.
You man the island and the cocaine and the elegant cars
This is our decision to live fast and die young
We've got the vision, now let's have some fun
Yeah it's overwhelming, but what else can we do?
Get jobs in offices and wake up for the morning commute?
Forget about our mothers and our friends
We were fated to pretend
I'll miss the playgrounds and the animals and digging up worms
I'll miss the comfort of my mother and the weight of the world
I'll miss my sister, miss my father, miss my dog and my homeYeah
I'll miss the boredom and the freedom and the time spent alone.
But there is really nothing, nothing we can doLove must be forgotten, life can always start up anew
The models will have children, we'll get a divorce
We'll find some more models, everything must run its course
We'll choke on our vomit and that will be the endWe were fated to pretend

Yeah yeah yeah

Friday, May 08, 2009

Carta endereçada.

- Todos os dias eu acordo, levanto e olho no espelho para saber se ainda estou lá. E eu queria contar, como se eu mesmo pudesse ser um conto de fadas, uma história trágica e uma comédia grega. Tudo empilhado na sala. Mas essa sala você não conheceu e nem os olhos azuis da sua neta. Ela cresceu e já está falando quase tudo. Tem um ar doce, esperta e já demonstra sinais de uma teimosia familiar. O Fábio disse que ela tem a boca parecida com a sua. Talvez tenha. Ela lembra você, mãe. Estranho notar essa semelhança. Mas ela também tem muito de mim. Ela é atrapalhada e carrega aquele ar de chatice. Eu mostrei a sua foto para ela saber que você existia dentro dela antes mesmo de haver vida ali. As vezes, eu corro para casa, com novidades juvenis, querendo contar, querendo aquele colo que não existe em nenhum lugar do mundo. Essa foi a primeira sensação que eu tive quando você partiu. É um vazio. É uma solidão derradeira. E fica sempre aquele ar de saudade na casa, seja pelas roupas que restaram, seja pelas fotos que eu não tive coragem de me desfazer. E eu mudei tudo. Será que você conseguiu ver o quanto as coisas mudaram? A pessoa que eu me tornei? Outro dia lembrei-me do quão pouco estivemos juntos nos últimos anos. Eu me afastei. De certa forma, esperávamos por aquele dia. E quando ele chegou ninguém mais teve coragem de dizer seu nome. Eu nunca mais comi siri daquele jeito que você fazia. E mesmo com a receita na mão, o peito dói só de sentir o cheiro. E mesmo aquele arroz de forno, tão fácil de fazer, eu não consigo. Perco a mão, deixo diferente. São as pequenas coisas que dão saudade. Eu fiquei mais próximo da família. Unimos-nos pela saudade. Mas ao mesmo tempo, tudo ficou diferente. O Fábio cresceu, virou pai e agora é responsável pela família dele. E lá parece que o tempo não muda nada, nem mesmo as paisagens que você viu tão pouco. Mas será que tudo isso ainda faz algum sentido? As vezes eu acho que eu sempre te pergunto se eu ainda posso, mas todos os dias eu acordo, levanto e passeio pela casa, ainda em silêncio, com o barulho da rua.

- Mas você nunca mais esteve no sofá, fumando, tomando café e perguntando se eu não estou com fome ou se vou levar um casaco porque vai esfriar.

Monday, April 20, 2009

Gosto(so)

Novamente se pode dizer que outras cidades surgirão em meio ao desalento. Outros tantos dizeres por vir, outras formas de encontrar conforto nos lugares mais inóspitos. Leituras desatenciosas que fizeram da vida o ambiente perfeito para a criação de vícios, maldições e desejos escusos. É como um giro, talvez, esse modo estranho e destruidor de caminhar rapidamente. Daquilo que foi desfeito, do renascimento germinado na saudade imensa e tudo refeito. Novamente, os braços de deus abertos, no aguardo ansioso pelo retorno do filho desgarrado. A oração apressada despertada pela droga, pelo calor e pela mente entorpecida. Esse mesmo rogar, rogar pela realização de sonhos, pelo ato de se viver, pela desavença, pelo dissabor do álcool e pelas madrugadas desnecessárias. Ninguém levará o corpo à cruz. O suor e o cuspe juntos na estranheza do querer-não-querer. Um jogo, uma peça e dois ou três filmes queimados.

Novamente, o parafuso girando contra a madeira, querendo arduamente ligar duas formas de vida incompatíveis: a minha e a que desejo. O desejo do saber tudo, sobre todas as formas e todas as maneiras. Que me perdoem todas as justiças divinas, mas ali, naquele mesmo canto particular, não há lugar para relicários.

Feche os olhos. Um, dois, três. Abra los ojos.

Tuesday, April 14, 2009

Ao vazio.

Negar aos símbolos de uma suposta religião que me aproxime aos grandes mestres da criação. A cruz, o vinho e a matéria. Rogoar sempre, como oração aos céus, oração de pássaro sem asas. O que anseia o vazio? Quando tudo se esgota de forma brutal, quando não há mais sangue ou cores latentes para se dizer palavras de amor ou de fé. A coragem em se estabelecer pequenas formas de olhar para cima e não deixar que as nuvens se derratam em pequenas gotas. Essa coragem em não se adequar, abdicar e mesmo resignar todas as instâncias da moral e do reconhecimento póstumo.
Aqui, os vazios, lentos e prazerosos vão assumindo seus postos como se estivessem marchando rumo à guerra dos desesperados. Loucos, maníacos, egocêntricos, seguidores do demônio e mesmo os seguidores de cristo. Assassinos, românticos, apaixonados, adúlteros, mentirosos, fiéis, leais, falsos, fantasmas, familiares, mortes. Os vazios substituídos pelo pior e pelo melhor: a eterna antítesa. As artes barrocas, retorcidas e aglomeradas vão se fundindo a uma espécie de arte contemporânea. O desespero em se criar o quadro perfeito.
Todas as políticas públicas reunidas em uma só cabeça. A fome da África e os órfãos da guerra do oriente médio. Tiros e desparos. Negar os símbolos de uma suposta vontade religiosa, pode ser a melhor das armas.

Monday, April 06, 2009

London calling.

A vontade é a de sentir as coisas, como se fossem feitas para isso. O sabor do cru, do azedo, o doce ardido, a fome e a nicotina. O gosto que se desfaz pela língua, até a garganta. Decoros para um estômago sedento de luz e carne. As formas mais variadas do entender, restos da metafísica e um pouco da herança materna. Aos goles, tudo desce rasgando, sentido cada pedaço do corpo como se ali houvesse uma espécie de tato. Outras formas de desejo. Uma sede por aquilo que poderá vir. A velha ironia do destino. Vida curta, de muitas idas e poucas vindas.
A vontade é sentir tudo como se fosse à primeira vez. A primeira dor do sexo, a primeira vontade de doce, o calor, o primeiro frio de temperaturas baixas, sonos e vontade de rir. O riso forçado. A primeira música. O arrepio do primeiro beijo. O primeiro beijo. Tudo num ritmo desacelerado e menos ordenado do que as equações matemáticas. Na antiguidade, isso poderia ser uma ode, tragicômica e feita para grandes platéias. O curto da vida, o curto do pavio, a fome pela vingança e a perversão. Tudo junto, num dos cantos mais escuros do coração, palpitando e bombeando para o corpo o sangue mais azul que se é possível produzir. Muitos outros dias ainda em estado vegetativo aguardam, sem anseios, pela maestria do destino. É dessa vontade, a falta de amor, nasceram às teorias do menino-que-não-sabia-se-amar. Daqueles olhos quase negros, do cabelo grosso e escuro. Com afinco, podemos afirmar nessa fábula não muito moderna, que o amor incondicional é para poucos. O menino-ainda-em-desalento procura lugares estranhos para se procriar, sabendo racionalmente que ali não encontrará um hospedeiro perfeito. Sua vontade é a de sentir dor pelas mãos do outro. Não saber se amar parece ser o destino do menino-que-não-é-amado. Sua mãe, sem entender as coisas do útero, admite sozinha em suas preces contrárias que ao filho entrega somente o destino do sustento familiar. É a fábula do mundo anti-moderno. Os laços finos do menino, cortados pela vida cruel e pelo mundo construído por desafetos. A vontade ali era de se sentir minimamente amado.
Tudo parece indicar que as histórias, como na própria História, não são cíclicas. Elas se repetem. Elas se dobram e desdobram. No espaço, não parece haver esse tempo para os mortais. Tudo se faz num único momento, o mesmo momento para todos em qualquer lugar e qualquer época. Uma bolha, de tudo, de todos os tempos que se dobra lentamente e com a mesma velocidade estoura por entre tantos astros. Seria apenas uma das formas esquizofrênicas de entender os significantes, ou mesmo estudos semióticos. O significado do espelho, ninguém parece ter entendido.
Aqui, as fábulas jamais foram escritas com base na vida real. A vontade é a de sentir tudo, como se fosse à primeira vez, desde que o passado tenha, enfim, sido enterrado.

Friday, April 03, 2009

A insustentável leveza

Para se conhecer de tudo, dos mais pequenos detalhes até o monumental sentido de tudo e todos. As lições e velhas histórias, desencontros, perdas, alegrias e tristezas somadas ao constante estado de desapego com tudo. Lá fora, sempre parece estar mais quente e todas as manhãs o sol insiste em tentar ultrapassar as pequenas aberturas da janela.

Ainda que nada se possa fazer, deve-se como uma espécie de trabalho artesão, esquecer de tudo, caminhar por um momento e adiante, abrir um pequeno carderno de páginas brancas e ali, reescrever tudo novamente. Pode ser um start de coisas. Pode ser também uma simples maneira de construir novas versões. O partir não parece, e nem pode parecer, distante como se imagina. É preciso um plano, um sentido e uma infelicidade para que se possa ir adiante. O espírito, tal como conhecemos, disfarçado por tanto tempo, atendendo necessidades frívolas do dia-a-dia, se volta contra as máscaras. Ali, no mesmo canto da sala, ainda há um pequeno rabisco de vontades. O anseio e os desejos insatisfeitos. Porque para ir, é preciso sentir-se infeliz.

Mas também um certo tom de desajuste é necessário para que se possa imaginar outras possibilidades de viver. Eu penso, e recoloco tudo na mesma medida. E as decisões se somam, e distraído planejo outros caminhos. Que seja a perda de uma profissão e mesmo a distância de tudo que se conheceu. E um dia ainda se poderá rir de situações desesperadoras. Hoje, o melhor é trancar tudo em uma mala e ir. Que seja amanhã ou depois de tudo.

O primeiro passo é partir.

Wednesday, March 18, 2009

ao romantismo.

Seria a morte, uma das mais prazerosas formas de se cessar o fogo? Aos montes, tudo parece acumular. Vontades diversas, fomes, anseio pelo distante, a escrita mal resolvida. E tudo se vai em palavras, como se esvaziássemos um mundo inteiro em impressões. Meu coração disparando, rasgando o meu corpo, a pele num estado químico diferente. E quando vi, já estava eu escrevendo tudo aquilo, deixando à margem pequenas delicadezas que eu faria na certeza de que pudessem fazê-lo para mim. Tudo, porque sou presa da fraqueza de anos, daquilo que me foi arrancado e jamais voltou. Procuro essas luzes de certezas, de idéias dentro da escuridão. É difícil não saber por onde trafegar tudo aquilo que circula pelas veias. Nas mãos é fácil perder-se. Eu perco o ritmo na sua boca tão selada pelo passar dos anos. Procuro em vão a marca de sol que a aliança deixou no meu dedo. Tento queimar tudo aquilo que é papel. Seria ainda morte do amor menos dolorosa que a morte do amado?
Eu anseio por esse futuro. Distante. Pedras e água salgada. Quando nada mais faz sentido eu retorno para os seus cabelos, circulando meus dedos, fazendo carinhos perversos em sua orelha. Ensino pequenos grunhidos antes de adormecer. Sem notar, já é tarde, bem tarde, quando abro os olhos e ainda posso te ver reluzindo. Na chatice do dia-a-dia, a mesmice daquilo que não passou. Estátua de mármore dizendo doçuras. E tudo perde o sentido. Volta e recomeça do zero. Sem esquemas, geometria ou subjetivismo. Eu perco as palavras e só consigo dizer que te amo. Um medo terrível misturado às sensações do prazer. Aquilo que fica não dito torna-se meta. A vida passa, continua à espreita. Você ainda no reflexo do espelho dizendo adeus com lágrimas nos olhos e eu preso a teus pés. Perdi. Ganhei. Pontos e mais pontos e com eles sobrou apenas o retalho de uma eterna insatisfação. Aquele desespero dando lugar a mania de tentar esquecer. A calmaria do entendimento: aquilo que foi, não volta jamais. E essa pretensão de que tudo vire testemunho bíblico é só a força do hábito que não me permite correr ao florista, pedir meia dúzia de rosas brancas e levar até a sua porta. Seria mesmo a morte consoladora? Sem o romantismo torpe ou mesmo a coisa de Castro Alves. A morte como detentora do renovável, do começo e do fim.
Assim, se passaram cada um dos anos. Uma viagem homerica, na jangada carregada de lembranças, rumo ao desfiladeiro - à beira dos seus olhos. Disso, nasceu longos fios de ciúme, enrolados a um tempo de sabedoria, despeito e carÊncia. Que mais há para se fazer? Do luto à ressurreição. Você ali e eu aqui. Cavando buracos, desenterrando maravilhas de um doce passado. Jamais diremos o contrário. E tudo isso para provar a minha teimosia, a minha falta de desapego por aquilo que se foi. Você, que um dia parou na minha porta e que hoje tornou-se príncipe-romântico dos contos de fada.

O que dói não é a morte de quem se ama, mas a morte do amor que se teve um dia.

Monday, March 16, 2009

Sombra.

Você sempre achou que nada lá fora fazia sentido. Que os culpados eram todos membros da sua família. E também, ninguém mais sabia como detalhar tantos detalhes sórdidos. Aquela coisa particular da vida de cada um. Eu mesmo nem me lembro mais de contar ou deixar rastros de bicho rastejante sempre que algo novo aparece. Ainda me lembro de muita coisa que se passou. VocÊ achou que a minha memória era curta e que logo eu esqueceria até mesmo o sabor das coisas. Jamais. Nunca tentei encontrar na memória, pedaços de você. O que se foi, foi. Escreva novamente as cartas, sele-as e deixa-as por cima do túmulo da sua sogra. Nada mais tem aquele significado de quando leram a palma da minha mão. Aos poucos, tudo foi mudando. POr vezes rápido, ao contrário de agora que estamos naquele estado vagaroso novamente. Você me pergunta se eu ainda sei o que são aquelas cartas e selos e sempre respondo com um olhar avesso, caído e indiferente. Mas eu mesmo me mascarei de tantas formas, escondi de tantas maneiras e fiz do seu seu jeito, o meu jeito de crescer. Esperando que um dia vocÊ voltasse, Ulysses, eu despertei e afungentei tantos fantasmas que acabei por deixar ruir todo o meu reino. Aqui, sem coroa, sem nada, desmonto pequenas partes do seu corpo e deixo tudo colocado em cima da cama. A sua camiseta vermelha, antiga, de dormir. O seu pente e a sua escova de dentes. Por que vocÊ não me deixa ir? Por que me prende como seu eu fosse teu? Destrui tudo e tentei, caco por caco construir algo a mais. E você viajou para longe. Sem saber, me desesperei. Parei de fumar, cuidei do corpo e fiquei um pouco menos ansioso. Mas você continuou fugindo. Me responda: por que me prende a teus pés? Por que não me deixa ir?

Tuesday, February 24, 2009

Além

É difícil estabelecer relações.
Seja da ordem que for, as relações devem ter uma espécie de ligação-maior. Algo que vá além do simples hábito, do cotidiano e do experimental.E mesmo as pequenas relações também devem ter aquele caráter passional. Mas de todo modo, é de extrema dificuldade estabelecer essas relações.
Na estante de livros, olho e de súbito percebo que há história ali. O modo como sempre datei os livros que adquiri e mesmo os bilhetes escondidos, anotações de rodapé, orelhas dobradas. Tudo ali dentro daquelas páginas. Uma história de muitos anos. E eu tenho essa relação com meus livros. O prazer de tê-los, o prazer de sentí-los envelhecendo comigo - os anos que se passam e as leituras em cada fase, adquirindo uma vida nova além daquela que está sendo contada dentro dele. Ali também, elaborei trilhas sonoras do jazz ao mais pop, passando pelos clássicos. Lia Tolstói ouvindo as sinfonias russas. Deixei todas essas histórias em estantes fora de ordem, empilhados e envelhecidos.
É dificl estabelecer relações. Com os livros é uma ligação-maior. vou além daquilo que conheço. E talvez, seja a única relação que nunca se vai. Não há cortes, desavenças.

É a única que sempre ficou.

Saturday, February 14, 2009

Cartola.

É difícil acreditar em mágica. Seja no circo, seja em praça pública, o festival todo sempre parece truque para criança.


Os coelhos saem de cartolas, mulher cerrada ao meio e, claro, aquele velho truque de tirar a moeda por trás da orelha. É difícil acreditar em mágica. Talvez tenham que adotar, ou resgatar, aquele velho olhar de criança ingênua. Aí, a mágica passa a existir.


É difícil acreditar em mágica, mas parece que o truque nos persegue. E como seria bom se a vida pudesse acontecer num passe de mágica. Como se seria se realmente o coelho estivesse dentro da cartola e, melhor ainda, se a moeda estivesse de fato atrás da orelha. As crianças acreditam. São capazes de trair a mais pura razão em troca de puros momentos de magia.


É difícil acreditar em magia. A magia de cores que se fundem formando uma nova cor, a magia de se criar maravilhas da arquitetura. A magia também tem os seus significados para o público descrente. Mesmo que científicos, um arco-íris só é bonito se acreditarmos na magia de vê-lo no céu depois da chuva. São as evidências menos temporais que nos fazem, pelo menos, uma vez na vida dizer: mágico.


Mesmo que seja difícil acreditar em magia.

Tuesday, February 03, 2009

Testemunha

Eu trago heranças comigo. Trago formas distintas de traumas, paganismos e aversões. O que me foi dado, aquilo que se transformou e que fez de tudo uma grande dilema moral, agora é a base para essa construção mal progetada. As pinturas na parede, as cartas seladas, a gaveta cheia de poeira e vontades.
Eu trago um pouco de tudo. Dos estudos de filosofia, a psiquiatria auto-didata, as críticas literárias, estudos Woolfianos e lingüísticos. Falo e penso em Shopenhauer, Nietzsche e Deleuze. Acendo cigarros com os dias contados e ainda penso em como será quando eu estiver de cabelos brancos. As perspectivas do mundo, parecem, sempre um mundo distante. Vou devagar. Lendo mensagens no metrô, procurando espaços em locais fechados, abrindo o guarda-chuva e esperando o dia passar. Essa pouca esperança de encontrar ao fim de cada caminhada outros pés que não sejam os meus. Da perfeição já me bastam os Magrittes e as fotografias de Eggleston. Aqui ao lado não espero mais do que um singelo e elegante sorriso. As formas invariáveis e o mesmo jeito de entender tudo e todos os mesmo tempo.
Eu trago essa herança. Tudo acontece como se estivéssemos presos por um fino fio de seda. Por vezes colorido, ele parece nunca romper. Ali e aqui, vou procurando espaços na estante e empilhando livros.
Mas a herança mesmo, chega nos lugares mais inusitados. Um certo padrão de sorrir.

Monday, February 02, 2009

Versão Verão.

Aquela doçura, como criança ou como doce, vem e volta. Em céus azuis, laranjas, verdes e cinzas. No anúncio de uma palavra e mesmo no sibilar das entrelinhas. Dessa intimidade, vem a nascente borbulhar pequenas gotas de um novo sabor. Dizem, mesmo que enganados, que tenho o dom da palavra. Com ela, já cortei laços, já fiz dos meus corações pequenos mundos. Já arruinei minha filosofia, abandonei vícios de longa vida. Mas ainda, sinto tudo num pequeno mal estar. Em viver, o clichê, de se entender cotidianos pequeninos quando há tanto lá fora pra se ver. Quando criança tinha sonhos. Sonhava em ter uma cama voadora. Passava horas imaginando como seria ir para os lugares mais inóspitos com essa cama-mágica. Ir aos confins do mundo. Deitar com jacarés ou mesmo meditar ao lado de leões e ursos polares. Tudo porque ali eu estaria seguro, seguro do mundo, de mim, dos outros, da mesmice ou de tentar entender como é que as coisas funcionam. Essa doçura de inventar bobagens, é isso que falta cada vez que dou um passo. Nas confusões, nas noitadas de sábado, no calor das segundas ou na frustração de sextas-feiras. Tudo querendo fugir, escapar para longe. Na cama-mágica, no quarto ou na casa repartida. Se tudo isso fosse um baralho, eu certamente tiraria o coringa.
Risos à parte.

Monday, January 26, 2009

For the latest

Não se pode tudo. Curvar-se às entrelinhas tão dificilmente descritas no destino. Os antigos textos acompanhados de maledicências e críticas. Não se pode tudo. Dia-a-dia, os pormenores parecem juntar-se numa onda gigante de idéias alheias. O quanto é difícil erguer, do tijolo, uma grande torre. Talvez seja tudo terrivelmente inesperado. As surpresas de bolo, de laço e cor-de-rosa. E quando se pode pensar em tamanho, quantidade e tudo aquilo que é preciso para fazer da vida uma vontade a mais.Sem poder, sem poder mais do que aquilo que se espera, vou divagando, soltando palavras em faíscas, como se tudo fosse apenas uma lasca do meu corpo. E faço disso tudo, uma for física. Os dias deprimidos, sem que haja um motivo, mas pelo simples fato de eu poder fechar-me dentro daquele antigo quarto.
Não se pode tudo. Na força, na força que damos ao braços, restam às pernas poder carregar o peso.

Friday, January 16, 2009

Abra los ojos

Há muito tempo venho dizendo meu sonhos por ai. As palavras soltas, repletas daquela perenidade das idades iluminadas. Venho dizendo dos sonhos. Vozes elevadas e tudo o que se passou. É difícil se desprender do passado. É como os os dias quentes que vêm acompanhados das sombras nas ruas. E falar dos sonhos e projetar fora da cela. Dizer de tudo um pouco. Procurar verdades nos lugares mais inusitados. Das pessoas, permito enxergar o melhor, mas sempre acabo por ver o pior.
E saio ainda com passo saudadoso de tudo. Da minha mãe e de como eu não tive tempo de dizer o quanto eu amava ela. Dos rancores e das brigas com meu pai. Mas ainda pude consertar outros vasos quebrados. À minha família, digo ao meu irmão que ele é parte de mim; à minha sobrinha, deixo a barriga ser mordida pelos dentinhos frágeis, deixo ela passar gel e prender o pente no seu cabelo fino e até mesmo simulo mergulhos na praia só para vê-la sorrir. E ainda acho tempo para dar conselhos alheios, por pura diversão. E aos poucos o passado vai se esgotando. É um processo de cura, eu diria. As vontades de criança carente e o pirulito quebrado.
Eu penso nas diversas formas de se viver bem. Escolho as pessoas certas, os filmes, livros e programas de televisão. As vezes, tenho saudade. Saudade de poder dormir e não ter hora para acordar. Mas sempre que eu termino um trabalho, me sinto melhor do que se estivesse dormindo.
Eu falo muito de sonhos. Eu só queria mesmo agora, era poder não sonhar.
Queria só poder ser.

Tuesday, January 13, 2009

Não pela recorrência de fatos ou inverdades. Conselho num é coisa boa a se dar, qui ça receber. Toda a amargura, advinda dos lugares mais familiares, sem beijo na boca, ou carta selada. Quem disse que eu não tenho o direito ao recolhimento? Dos pesares sabe-se pouco. Não preciso de motivo verossímel para ser categórico ou pragmático. E convenhamos: pouco importa se eu sou de fácil acesso ou não.
Ninguém aprende sozinho. Ninguém sabe lá como os discursos possuem efeitos colaterais perigosos. E seria, deveras, fácil dizer que as intenções eram somente da boa vontade. Na forma como se cria a casca da cicatriz, só o machucado sabe como foi ferido. E as questões acumuladas, pressionadas, começam a escorrer para dentro das veias. É sangue em excesso pulsando o dissabor de um adeus. Quem disse que o inferno está cheio de boa vontade? Resta a dúvida. Resta o crescimento. Eu, tento parecer um pouco menos professoral. Devo dizer apenas que cuidar daquilo que me interessa é a prioridade. É, por que não, bíblico e tão experimental quanto temas atuais. O que pra mim nunca foi motivo de sabedoria, o relativismo foi e continua sendo a maior besteira do mundo, sem esquecer do fracasso do humanismo.
Sem delongas, não sobrou mais espaço. Não pela recorrência de fatos ou inverdades, mas porque as leis da física são maiores do que as minhas.
Se tiverem que existir dois corpos, no mesmo espaço, pelo menos um terá que sair.

Antes tarde do que nunca.
Que seja eu.

Wednesday, January 07, 2009

Sobre

A gente sempre imagina tudo do avesso. Contradições, experiências, vontades, ilusões, alegrias. Tudo ao contrário e nada de frente. Imaginamos como um dia poderá ser o futuro e até mesmo o presente. Os passados são desfeitos com orações e súplicas. E nada, nada, tem o mesmo efeito.
Imaginamos que o oceano possa ser infinito. Imaginamos como seria passar férias na Groelândia. Imaginamos que carne de baleia deve, no mínimo, ser gordurosa. Imaginamos como seriam os nossos filhos.Imaginamos se aqueles que se foram primeiro, chegaram enfim ao tal paraíso.Imaginamos que seria a sensação de matar alguém.Imaginamos como seria o primeiro beijo.Imaginamos como seria a vida em outra época.Imaginamos como seria ser loiro, ruivo, ter olhos verdes ou azuis. Imaginamos que a nossa vida é um filme. Imaginamos que os amigos próximos iriam nos respeitar.Imaginamos que os amigos seria fiéis e que teriam caráter.Imaginamos como seria acordar sem preocupações.
A gente sempre imagina tudo do avesso. Como se fosse mágia, truque para criança. Na realidade, tudo é diferente. Aquelas pessoas que você mais acha que conhece, no fundo, são aquelas que vão te empurrar pelo abismo. Mundo afora, há que se ter cuidado. Isso poderia ser conselho para um possível filho. Nunca se esqueça. Confie sempre naquele que não sorri muito.
Alguns dizem, o sorriso do diabo é dos mais sedutores.

Saturday, January 03, 2009

As festas.

Sono. Sono leve, sono pesado. Festas. Mesa, toalha, copo, pratos e talheres. Estouro de garrafa. Vela, reza, ceia. Mais um natal. Olhos azuis. Criança. Presente, faz-de-conta. Um, dois, três tiros. Estouro de latinha. Mais. Sempre mais. Música, dança. Amanhecer. Chuva forte, respingos, confinamentos e filmes. Irmão, cunhada, sobrinha. Amigas. Grandes amigas. Amor de família. Praia, mar, céu nublado. Encontro. Encontro armado. Mais olhos azuis. Pele clara. Conversa boba. Verdades. Mentiras. Beijo na boca. Beijo molhado. Beijo de suor e carinhoso. Forte. Beijo no peito, na barriga, no canto da boca. Sorvete na praia. Cinco da tarde. Passeio na areia molhada. Sol. Sol forte. Sol latente. Encontro na praia. Cerveja. Conversa íntima. Noites azuis. Noites brancas. Lua nova. Círculos vermelhos. Tudo vira poesia. Mais beijo na boca, cerveja, tiro, fome, beijo, cama, beijo, dedos no cabelo, cabeça deitada no peito. Mesa arrumada. Forno ligado, fome, sede, champanhe, cerveja. Vela. Mesa desarrumada. Roupa branca. Fogos. Muitos fogos. Felicidades e trocas de carinho. Real. Imaturo. Sem máscaras. Tolo e alegre. Beijo no canto. Beijo explícito. Palminhas de criança feliz. Palminhas. Sorrisinhos. Vontades. Ali. O encontro do mar com a areia. Nunca acaba. Começa, recomeça. Zero a zero.
Família. Amigos. Festas. Encontros. Ali. Inesquecível.