Saturday, May 30, 2009

Em todas as alucinações, em todos os sonhos de doçura e ira, algo me foi possuído. Os dentes afiados pedindo misericórdia para a besta que caminhava devagar, como uma serpente, rastejando pedaço por pedaço até formar um círculo de fogo. Ao meu lado, deitado calmamente esteve o demônio da eternidade. Enxergou-me diversões, espetáculos circenses, rasgando-me com suas garras enormes. Ao meio, fui partido, cindido como um animal sem fuga. Um belo jardim florido, caminhávamos nus pelos grandes campos coloridos. Essa era a minha existência. Eu estive lá no começo e no final. Alcançaram os malditos, a vulgaridade e meu espírito tornou-se a maldade encarnada. Os reflexos do espelho sumiram como se eu fosse agora um vulto daquilo que um dia pôde existir. Em todas as minhas alucinações, nesta tornei-me maléfico. Deitei na cama de espinhos, ardi no fogo brando dos céus e cuspi chamas de lúxuria pelo mundo onde passei. Destrui laços, raptei sonhos e espalhei a cobiça. Eu sou a besta. Eu fui o oceano e o espírito do amor. Um dia amei. Evoquei os deuses mortos.
Eu fui Medéia.
Assassinei meus filhos em nome do amor perdido.
Eu fui Cassandra e previ o ódio no mundo.
Eu sou édipo.
Quando anoitece, em meus círculos de fogo eu praguejo. Deito o corpo na lama e sonho pesadelos de eternidade. A felicidade que se foi. Eu me tornei a alucinação da mãe morta. Por onde passo, meu rastro cobre com um manto negro os passos alheios. Eu vejo o ódio e desperto o pior de tudo. Eu sou a besta rastejante, a cobra e o veneno maligno. Eu vi o demônio e para ele preparei o meu corpo. Eu fui esquecido.
Eu fui morto.
Eu me tornei o contrário, o avesso e a felicidade. Eu sou aquilo que sonhei.

1 comment:

Cranmarry said...

e pra acompanhar esse texto...
Cherry blossom girl do air...

ta tudo ali