Monday, April 06, 2009

London calling.

A vontade é a de sentir as coisas, como se fossem feitas para isso. O sabor do cru, do azedo, o doce ardido, a fome e a nicotina. O gosto que se desfaz pela língua, até a garganta. Decoros para um estômago sedento de luz e carne. As formas mais variadas do entender, restos da metafísica e um pouco da herança materna. Aos goles, tudo desce rasgando, sentido cada pedaço do corpo como se ali houvesse uma espécie de tato. Outras formas de desejo. Uma sede por aquilo que poderá vir. A velha ironia do destino. Vida curta, de muitas idas e poucas vindas.
A vontade é sentir tudo como se fosse à primeira vez. A primeira dor do sexo, a primeira vontade de doce, o calor, o primeiro frio de temperaturas baixas, sonos e vontade de rir. O riso forçado. A primeira música. O arrepio do primeiro beijo. O primeiro beijo. Tudo num ritmo desacelerado e menos ordenado do que as equações matemáticas. Na antiguidade, isso poderia ser uma ode, tragicômica e feita para grandes platéias. O curto da vida, o curto do pavio, a fome pela vingança e a perversão. Tudo junto, num dos cantos mais escuros do coração, palpitando e bombeando para o corpo o sangue mais azul que se é possível produzir. Muitos outros dias ainda em estado vegetativo aguardam, sem anseios, pela maestria do destino. É dessa vontade, a falta de amor, nasceram às teorias do menino-que-não-sabia-se-amar. Daqueles olhos quase negros, do cabelo grosso e escuro. Com afinco, podemos afirmar nessa fábula não muito moderna, que o amor incondicional é para poucos. O menino-ainda-em-desalento procura lugares estranhos para se procriar, sabendo racionalmente que ali não encontrará um hospedeiro perfeito. Sua vontade é a de sentir dor pelas mãos do outro. Não saber se amar parece ser o destino do menino-que-não-é-amado. Sua mãe, sem entender as coisas do útero, admite sozinha em suas preces contrárias que ao filho entrega somente o destino do sustento familiar. É a fábula do mundo anti-moderno. Os laços finos do menino, cortados pela vida cruel e pelo mundo construído por desafetos. A vontade ali era de se sentir minimamente amado.
Tudo parece indicar que as histórias, como na própria História, não são cíclicas. Elas se repetem. Elas se dobram e desdobram. No espaço, não parece haver esse tempo para os mortais. Tudo se faz num único momento, o mesmo momento para todos em qualquer lugar e qualquer época. Uma bolha, de tudo, de todos os tempos que se dobra lentamente e com a mesma velocidade estoura por entre tantos astros. Seria apenas uma das formas esquizofrênicas de entender os significantes, ou mesmo estudos semióticos. O significado do espelho, ninguém parece ter entendido.
Aqui, as fábulas jamais foram escritas com base na vida real. A vontade é a de sentir tudo, como se fosse à primeira vez, desde que o passado tenha, enfim, sido enterrado.

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