Monday, July 14, 2008

Two things

Ele esperou acordado. Como se nada fosse ou bastasse naquele exato momento. Eu, sem explicações, parecia ter sido cortado ao meio, como uma folha de papel. A bagunça, as palavras de ordem, aquele caos todo em uma briga de urso. Eu contra a parede. Mas naquele dia, ele sabia que nada poderia mudar; o vaso em cima da mesa da sala como um enfeite cafona e barato com ar de decoração. Onde eu deitava, de costas, sempre olhando para o travesseiro listrado, pintado de cores velhas e frias. Ali mesmo, onde eu deitava e antes mesmo de acordar, já sentia subir, como uma serpente, pelas pernas, enroscando-me os braços, as pernas e todos os meus sentidos. Sentia, sentia subir pelo calor, centímetro por centrímetro. Duas semanas antes, a mãe havia pedido uma compra grande no mercado. Faltava o básico, dizia com aquele olhar materno-carente.
Deitado, como um pára-raios, toda aquela energia subia fervendo. Chegava-me nos lábios, trêmulos, quentes e vermelhos de gozo. Minhas mãos descendo, lentas e sorrateiras, tentando achar lugar dentro da chama. Mordi os lábios. Senti como se eu fosse afundar na cama, no meu suor, no meu desejo e na combustão ardente, fiz-me dentro de você. Fiz-me como presa de serpente num desespero quase louco, sem freio, cheio de vontades e imaginações férteis. Eu tentei correr, eu tentei escapar movendo os pés rapidamente enquanto que o seu cheiro fazia meu corpo parar, sangrar feito animal de ritual.
Ele deixou as compras na mesa da cozinha. O saco de arroz e feijão guardou no armário, dentro dos potes que a mãe, cuidadosamente, deixava na parte mais baixa do armário. Deixou um bilhete seco, porém carinhoso, próximo aos remédios para enxaqueca. Ajustou o vaso da mesa, pegou uma maça e foi para o trabalho sabendo que depois desse dia, jamais veria a mãe trançando colares e fazendo ornamentos de tule para o bebedouro.
Eu sentei na minha mão. A água escorrendo meio quente. Meu corpo se abriu. Talvez ele sinto só isso. Ele só sabe sentir isso. Vozes em francês escolar, eventos mal administrados e aquele trabalho sem volta. Eu só sei sentir isso. As cores do pescoço, a fome e a fúria que aos poucos me corroem, rasgando-me como se eu fosse feito de algodão colorido. Fio a fio. Eu me empresto em aventuras irreais. Me empresto na água morna, e mesmo sabendo ser parte do meu corpo, imagino ser do dele, em mim, em mim no fundo, por dentro me deixando alagado de prazer, por dentro e fora, nas orelhas quentes e na pupila dilatada. Eu deitado, naquele manhã fria, minhas mãos trabalhando para ter ele dentro de mim, como um fogo, como um pedaço. Eu deixei, por fim, que a minha cama fosse apenas uma chama; deixei que ela entrasse em mim, como ele, o prazer mais delicioso da fantasia, o corpo másculo de ombros curtos numa estatura perfeita de tamanho, forma e cheiro. Enfim, tornei-me a chama vangloriada. A chama do gozo com ele dentro de mim a fincar desejos.
Anos se passaram. Ainda comprava arroz e feijão para mãe desaparecida. Procurava na cozinha, nos armários. Ele pensava que talvez fosse melhor encerrar as buscas, ler um livro e tentar levezas. Contava com ares de saber para quem quisesse ouvir. Da solidão, sabia mais que todos. Do amor, desconhecia cartilhas e formas abstratas. E nem podia dizer que ser professor era lá grandes coisas. Mas conhecia Aristóteles. Sabia Kant e um pouco de Descartes. Deitava sempre com o mesmo pijama. A mãe, desaparecida, sempre vinha, todas as noites com beijos molhados. Anos se passaram. o bilhete ficou ali na mesa. Os remédios, as roupas, tudo no mesmo lugar. Eu amanheci descoberto, com os lábios mordidos de amor. Escrevi um poema e coloquei fogo. Ele voou como pássaro fênix. Eu sabia que ainda tinha alguns minutos até tudo fazer efeito. Deitei-me novamente e senti ele pesado, com o olhar fixo na minha encenação quase pornográfica. Virava a cabeça e ele com as mãos delicadas de homem, voltava-a no lugar junto aos seus olhos. Dizia, sem pudores, para morder o dedo, lamber os lábios e sentir o gosto. Eu obedecia. Eu obedecia meu corpo dentro dele. Quente, uma única forma de viver. Ali dentro. Dentro de tudo. Do mundo, do fogo, eu como se fosse uma chama gritando.

1 comment:

Anonymous said...

num sei vc, mas me da um vazio depois!