Tuesday, July 01, 2008

Marlon Brando

Foi apenas um instante. Talvez tenha durado mais do que hoje consigo recordar. Foi um ano estranho. Tudo parecia ter se erguido num falso jogo de vaivém. Os beijos eram insípidos, o sexo em grandes espaços de tempo. Eu ouvia Fiona Apple e tentava escrever sobre as coisas da vida. Eu estava sozinho. Sozinho diante de tanta coisa que ia e vinha, sem que eu pudesse notá-las. Eu escrevia poemas naquela época.

Foi apenas um instante. A transformação filosófica do mundo, das artes, e no geral eu acabei me reiventando. Comprei acessórios, mudei o guarda-roupa e comecei a usar Herchcovitch. Joguei o Adidas fora e comprei três pares de All Star. Troquei a Fiona pelo novo rock sueco, pelo eletrônico e pelo British Pop. Raspei o cabelo e aposentei a poesia. Foi um ano estranho. Me apaixonei por diferentes perfis. Todos errados. As paixões inócuas, tão companheiras. Foi fácil passar aquele ano. Troquei o All Star e mudei para outro estilo.

Foi apenas um instante. Troquei as caveiras e passei a usar T-shirt Hering. Joguei fora as sandálias. Só óculos escuro Ray-Ban. Mas ainda lia Nietzsche, Foucault e Aristóteles. Sempre na bolsa, tratados de literatura, poesia e pintura. Eu hoje, gosto de origami. Eu ouço música romena e nunca mais assisti filme nacional. Foi um instante naquele ano em que tudo pareceu mudar. Passei a recusar arte renascentista, para apreciar arte contemporânea de Tim Eitel e Cecily Brown. Foram muitas informações que acabei deixando de lado, como o meu diário e o gosto por cinema americano. Eu li e reli alguns livros e vendi o resto num sebo de Pinheiros. Comprei um I-pod e dei meu discman para meu irmão. Eu ainda ouço, naqueles mesmos fones brancos outras músicas. Foi apenas um instante. Será que eu mudei ou tudo, subitamente, se transformou? Eu ainda sou adorador do Marlon Brando e continuo com a certeza de que não existirá outro homem como ele, assim como ninguém nunca mais terá o mesmo olhar de Bette Davis. Mas eu troquei a Noviça Rebelde por Kubrick e hoje aprecio David Lynch a John Ford.

Naquele ano eu pensei que o amor podia ser uma fonte de inspiração. Tornei-me o pior. Fiz de mim, uma sombra e foi quando eu descobri que se era daquele jeito, não era o tal amor. Foi um instante. Aquele ano em que tudo acabou. O que sobrou foi, talvez, uma ou duas fotos.
Eu ainda raspo o cabelo. Não da mesma forma. Raspo dos lados com máquina dois e deixo maior em cima com a três. Eu sou uma soma de tudo o que aconteceu naquele ano. Acabei subtraindo tantas pessoas, gostos, vontades. E hoje tornei-me exatamente aquilo que eu queria ser, sem mais nem menos. Fui somado a tudo, a todos, e resultei nisso: um resumo daquele ano. Eu ainda vou continuar com o meu All Star, ouvindo certas músicas e com saudade de um tempo outro, com outras pessoas, mas hoje quem ficou, quem eu sou, o que sobrou é o que será de mim.

E tem uma letra do Phoenix que eu adoro que diz “guess I couldn't live without the things that made my life what it is.”

3 comments:

Maria Carolina said...

Ficou quem você é. E sobrou quem te ama e sabia exatamente o que voce poderia ser.

Luiz Zonzini said...

E o que era esse tal ano, senão uma autobiografia autenticada em cartório, auto-reconhecimento ou conhecimento alto? Passava sim a existir, o guia dizendo sobre as tuas somas, somavas a cada buraco de tempo e espaço uma covinha de risada. Os rejuntes feitos sim, de choro, como todo mundo. O topete... bem, ele não se reconhecia mais nas golas bem lavadas, como se em outro perfume, as mesmas essências reforçassem a vinda clara e verdejante destes dias. Esse guarda-roupa e as noitadas às quais, também eu, pertenço. A tudo que, formado e transformado, fazem de ti um encanto surpreendente e amigo, na inda e vinda ou na rebeldia faz inveja porque além de tudo, pelo que nos parece, te conhece tão bem...

F. said...

vão-se os anéis...