Fazia tempo que eu não chorava. Sem motivos afetivos, sem alegrias ou tristezas. Chorar para dar sentido ou seja lá o que for. Num domingo qualquer, num dia ensolarado e cheio de cheiros no ar. Deixar apenas que tudo venha como soma de todos os medos e todas as vontades. Sim, como animal. Talvez como besta, deixar que a lágrima seja uma fúria, fúria das garras. Ah, como a besta que arrancou pedaços da vida, lascas de felicidade e depois, como bicho selvagem, descartou tudo, a vida, os sonhos e as unhas quebradas. E tudo foi querido. Os olhos encharcados e o mundo visto através da água, meio embaçado, sem sentido, mas perfeitamente construído como algo a parte.
Num domingo qualquer, indas e vindas, chorando ou não. Largar a fúria na rua. Largar as luzes e as cores e deixar vir a besta, arrancando as beiradas da vida e tentando fazer a voz ser mais que o corpo. Num domingo, nesse domingo, chover o dia, o mundo, chover o corpo, como se a fúria deixasse de ser animal para tornar-se o que deveria ser: apenas uma pessoa comum.
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