Contava do Dr, pois assim o gostava de chamar, que estava interessado em literatura latina e que pouco a pouco começou a apreciar alguns autores alemães. Ainda assim, gostava pouco de poesia e mal sabia quem eram os grandes poetas de sua língua.
E por que eu comecei a contar os cigarros que fumo por dia? Antes, eu ligava somente para embalagens e outras coisas do cotidiano. Agora, conto. Pareço criança. Loucura. O doutor olhava de cima abaixo para dizer que mesmo os livros podem ser um indício de esquizôfrenia, mas que não era motivo de preocupação já que o tratamento estava indo muito bem. Eu deixei de lado os maços para poder sentir o gosto da minha boca e, sim, deixá-la livre para o gosto dele. Tentaram, há muito, me fazer largar o vício. E cada vez que o fizeram, mais afundei meu radicalismo para tudo. Hoje, eu paro pra ele. Para as suas reclamações constantes de moleque. E ele dizia que a mãe havia sumido sem dizer para onde ir e logo a sessão foi encerrada. No caminho de casa veio de forma agudas as lembranças. Como hoje eu acordei já com as primeiras palavras na boca e posso ter dito ao travesseiro confissões bobas. Posso ter dado a tudo o que fiz, um nome. Curto, pouco sibilado, como o corpo dele, um sentido de flores. O ar radicalmente seco e todo o resto dentro de mim pulsando alegrias e anseios. Quando criança, entrava em casa correndo de travessuras e dizia à mãe que havia jogado pedra no telhado do vizinho. Taciturna, calma, a mãe sábia dizia: - Mesmo? Pois eu tenho uma novidade para você -, e corria pegar a cinta.
Mas é assim que se começam os dias. Drummond disse poeticamente "se acordas e se deitas pensando...". Hoje, aqueles velhos estudos se transformaram em matéria morta. Eu, corroído pelo desejo, anseio somente poemas eróticos. Procuro encardenar minhas palavras e logo estou com o corpo dele em cima de mim. Sou movido, como poucos, pelo desejo. Pela carne, pelos caminhos da pele suave e branca. E encarno, crucificado, ele dentro de mim. Passo as tardes assim: pulsando adrenalinas e experimentando numa louca irrealidade, o gosto dele. Passo, sem pormenores, de uma viagem a outra. Sem perceber, eu sou fundido. Torno-me a própria irrealidade. Ele, me pulsando alegrias e gozos, deitados na cama, ele me virando para o outro lado.
O doutor na semana seguinte parecia misterioso como se tivesse descoberto a cura para todos os problemas dele. Olhou e se pôs a falar: eu me lembrei semana passada Dela. Será que enfim eu vou poder entender o que houve?
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