Tuesday, August 05, 2008

Terça.

Artemis, a mais pura e casta das deusas do Olimpo, calmamente passeando pela floresta deparou-se com a sagaz raposa. Longos e dourados momentos, como se somente existissem dentro de uma certa magia de ser e querer. A magia de rosas vermelhas e túmulos sagrados. Toda forma de reza, ali presente. Cautelosa, Artemis aproximou-se da raposa no intuito de advinhar-lhe suas intenções. "Diga-me o que queres bicho de pêlo vermelho". A raposa, sorriu, e entregou-lhe uma linda caixa dourada. "Trago a vossa deusa um presente dos seres da floresta".
Por alguns breves momentos, a janela aberta, o céu negro e pesado. Logo, tudo desabou. Tudo veio abaixo. Pesadas gotas e ali em cima tudo se despedaçando. No breve momento, a mão no bolso e uma vela acessa em cima da mesa. Carência de mortos vivos e esquizofrênia. Artemis, desconfiada, levou a caixa para seu irmão Apolo que a aconselhou se desfazer do presente abrindo-o junto do bicho vermelho. Armada com seu arco e flecha, a deusa lançou-se furiosa na floresta em busca do animal. "Diga-me, raposa-vermelha, que trazes essa caixa?". A raposa, surpresa, sorriu. Artemis, percebendo seu medo, flechou o animal-vermelho na pata. Preso ao chão, a raposa sorria num grito de desespero. E assim mesmo, o quarto trancado, as roupas amontoadas e um vermelho nas costas. O corpo ainda dolorido, a garganta quase seca. Todos os pensamentos de volta ao toque da baiana. Ninguém se separa do mar. Ninguém foge das ondas, do sol e dos longos cabelos pretos de Janaina. Tragam os presentes. Barcos azuis. Rosas brancas e preces desesperadas. Com tudo, a chuva tombou o mundo. Abriu a cova dos fracos e deitou até mesmo os corajosos.
Diz o mito que Artemis, a mais casta e pura das deusas do Olimpo, transformou a raposa em pó vermelho e a jogou dentro da caixa dourada. Morados e selvagens da florestas ainda ouvem suas risadas tortas e cínicas. Vigilante, Artemis caminha pela floresta penetrando seu olhar por entre folhas e pedaços de pau. A caixa, escondida entre suas vestes. Ali, no canto mais obscuro, no fundo dos olhos, a imagem do guerreiro que um dia fui. Das sóbrias noites que passei escrevendo e sem nenhuma resposta, abandonei o gosto pela leitura diária. Troquei até mesmo os anéis e queimei as fotos. A família distante crescendo e aos poucos se esquecendo que sou tio ou irmão. Dos outros laços me desfiz, como o temporal. Ninguém se separa do mar. Do pó vieste e ao pó voltarás. Diz o mito: ninguém se separa do mar nem das vontades Dela. Minhas imagens tão lúcidas, meu quarto organizado por livros, recordações e novas montarias. Minha cama feita, lençóis lavados, travesseiros com restos de alguém. O passado, morto. Como se tudo pudesse um dia ter um recomeço com sal e água morna do oceano. Perfumado com alecrim e jasmim. Minha pequena coroa de santos e divindades. Eu, louco que sou, desfaço aqueles nós e jogo-os no mar. Pra Ela. Minha cor, minha força e minha fraqueza. O buraco na alma. Ninguém foge do mar.
Diz o mito que Artemis guarda por debaixo das vestes a pequena caixa dourada. Dentro, um pó vermelho, semelhante ao urucum. Os pêlos da raposa que um dia tentou enganá-la. Ali, dentro da caixa. A cova daqueles que adentraram na floresta. Artemis.
Diz o mito.

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