Thursday, August 14, 2008

Se eu contar.

Quando criança e um teco da minha adolescência, eu costumava me sentar e observar minha mãe: sentada, com o cigarro acesso até a metade, as pernas sempre cruzadas e com um certo olhar de desdém para a televisão. A cinza comprida quase caindo segurada com firmeza pelo braço apoiado. Talvez essa seja uma das mais fortes imagens que eu tenho dela. Não a composição dos elementos, mas a postura das pernas cruzadas, do cigarro e, principalmente, da forma como ela olhava para as coisas - a forma como ela olhava o mundo.
Com isso eu cresci quase como um molde. Eu fui me fazendo tal como ela. Um certo olhar desdém, o cigarro em uma mão e as pernas cruzadas. Como estou aqui agora. E toda vez que me pego, correndo, pelas chamas ao me redor, me lembro que essa imagem, essa postura está em mim como qualquer outra parte do meu corpo. Tudo o que sou. O meio homem, os fortes impulsos femininos e a pouca razão que devoro em minha mão direita. Esse meu olhar de quem não se interessa pelo mundo, mas que no fundo olha para entender um pouco de si. E até mesmo nos meus dias de embriaguez eu sei que acabo transformando meu rosto no dela. Ninguém foge daquilo que se é. Algo a se aprender, não com os livros, mas com a memória do espírito; essa memória que nos faz, move e nos carrega para uma certa identidade forçada. E não menos importante, isso que nos faz ser o que somos. Esse meu ar de desinteresse. Talvez ele seja um alvo, quase como um destino. Um trilha mesmo. E tudo assim tão claro. Ela sentada, fumando o meio cigarro e as pernas cruzadas. E mesmo o jeito de rir, eu herdei. O gosto por Chopin e a impulsividade típica dos mais quietos.
E anos depois, ainda quando tento descobrir em flashbacks um pouco do que eu sou e das minhas metades. acabo me deparando com essa imagem, com a postura. E não obstante, deixo o cigarro em uma mão enquanto levemente cruzo as pernas. Tudo isso, claro, muito inconsciente.

1 comment:

F. said...

Vitor Leonardo, isso está deslumbrante.
=)