eu queria poder escrever.
Tanto que que minha mãos tremem todas as vezes em que penso. E elas estão a tremer neste exato momento, que já não é mais o instante em que escrevo. Eu seguro a caneta e a tinta some como se dissolvesse o branco da página e as letras se embaralhassem.
Quando eu morrer, voltarei para buscar os instantes que não vivi junto do mar. E escrevo assim sobre as águas, sobre o mar, sobre a força do mitos porque estou próximo ao mar. E ouço suas batidas tão perto que parecem-me por vezes um tambor, ou o rugido de um animal selvagem. Eu queria poder escrever sobre os pensamentos mais íntimos e particulares. E agora, parece-me que as palavras seguem rumo a um tempo que não existe mais; esse rugido, esse uivo, as ondas batendo fortes na areia, assim simplesmente, batem forte dentro de minh´alma. E aqui se vai a promessa de prender as palavras na boca, no coração e naquelas lágrimas já tão derramadas. Nada faz sentido e ao mesmo tempo tudo se edifica, veloz, forte, como uma punhalada. E ouço batidas como se me chamassem em tempos outros. E vejo, revejo, ouço, tudo aquilo que me disseram e sinto que foi uma jornada. Ou foi apenas uma caminhada.
Eu só queria poder escrever. Firme, austero, elegantemente sedutor. E perdi o encanto ao tornar-me em mágoa, ressentimento, e estilhaços de tudo aquilo que fui e que hoje sou representado por um sentimento áspero. Mas eu sou também aquilo que posso acreditar ser: fraco, intimamente feito de sentimentos, feito lágrima cortada por fogo, e sou também aquilo que poderei um dia voltar a ser. Eu senti, nos olhos fundos, claros, puros, de minha sobrinha olhando hoje aquela imensidão profunda. Eu senti o que ela sentiu. Seus olhos ávidos de primeira vez. Era a primeira vez. E juntei-me àquele olhar com a esperança de me encontrar, como quis um dia, encontrar-me em esperança, em regresso de tudo aquilo que deixei para trás, de toda a maldade que meu corpo possui em vida. E vi naquele olhar um pouco do sentimento, da força de se ter a primeira imagem. De súbito, mergulhado nos olhos de minha sobrinha, eu me vi naquela praia deserta, eu, o mar, as pedras, o sal, as ondas...concha regressada. E brinquei de silêncio. Sou o silêncio por que sou fraco, demasiadamente fraco para controlar as lágrimas quentes e frias. E essa controvérsia me vem em palavras e pensamentos excessivamente rápidos para se ter consciência. Eu aprendi as lições. E tive uma, a mais dura, a lição de um amor. E ainda tenho a promessa, por que sou vento ou queria ser vento...
Hoje é dia 31 de dezembro. Amanhã um novo ano. E o que há de novo? Semear sementes de mar, entregar nas ondas as paixões, os pesadelos, os sonhos e o sangue já derramado. Hoje é dia 31. Leciono o coração em estilhaços de memórias e de tudo aquilo que chamo reconstruir. Cada vez que bate uma onda, solto uma parte das memórias. Eu comprei uma passagem para o oceano e ele me levará onde há uma criação. Sou feto em estado de emergência....porque eu quis dizer e porque eu queria poder escrever...saber.
31/12/2006