Tuesday, November 16, 2010

Pessoa na pessoa

Ainda não me acostumei a perder sonhos.
Deixá-los ir pelo ar corrosivo do inverno fora de hora. Sonhar um sonho é perder outro. Largo-me na cama dura a fim de perder-me em pensamentos. Recorro à lentidão dos vapores pelo mar - a vida na orla, a lembrança do resto de família. Esse costume quase diário de criar sonhos, inventá-los na meia hora do dia e deixá-lo na pouca duração da imaginação. Poucas horas, pequenas vontades de tudo, o mundo lá fora esperando uma breve movimentação. Não me acostumei a deixar de sonhar. Pelos mundos que crio, quantas vidas que ignoro, que me ignoram! A continuidade de tudo o que já passei, como se eu mesmo desse uma consciência diferente para a vida que o destino não cansa de impor. As horas, as horas do dia sinistras e tão alegres, essa contradição de dizer entendo e não entender. A tentativa do esquecimento. Talvez devesse ser um poema, um poema de magia, bruxas e fadas, essa ressonância diária do que devo ser e não sou, do que sou e não deveria ser. Vou a procura dos livros, dos poemas, de Pessoa e de Virginia. Entender a si próprio é um instrumento, afiado, trabalhoso, quase uma epopéia, mas também cansativo como todos os trabalhos físicos. Ah, meu poetas favoritos! Companheiros da noite, amigos do peito, famílias etéreas. São minhas as palavras estranhas e de mim vem sempre a sede do saber de tudo, sobre todas as coisas. Finjo no espirito um conhecimento do mundo que não tenho, finjo beijos demorados, finjo ser eu mesmo. Ah, meus escritores companheiros. Minha vida foi-se fazendo em vocês. Cresci meio sem eira nem beira, acreditando apenas do que me diziam os livros - uma espécie de carência, abandono e desespero por querer entender que condição é esta que me impuseram! Gozo na esperança das primeira páginas. Sonho mais lindo de sonhar. Nada tão onírico na vida é possível do que deitar-se sobre um livro e ter a vida lida em palavras organizadas. Entendo tudo como sou, vagabundo, desterrado dentro de si próprio, mas não, não se trata se tristezas e lamentos, nada disso. A realidade, a boa realidade, é que isso se fez em mim criação; criei-me nessa desilusão de não saber quem sou, sabendo exatamente como devo ser. Todas, todas as minhas paixões, as que não se concretizaram, foram apenas um estremecimento. Trago meus poetas, suas lindas rimas, dentro do peito, aceso como uma ponta de cigarro. Há tempos me transformo em tudo o que aprendi, em tudo o que vivi e em tudo que um dia me transformou. A vida que me deram, que escolhi, que deixei existir. Ah, meu poetas, vocês me criaram no berço de palavras, no berço de bocas sujas. E nem vagabundo escolhi ser. Talvez nem seja. Tenho o espirito boemio, mas a vida rendida aos rendimentos contábeis. Sim, vendi-me para o mundo, mas levo todo comigo, nos sonhos eternos. Por isso, não me acostumei a perder sonhos. Sou feito disso que me ensinaram: sonhar também é viver. Nunca, propriamente, reparei se na verdade sinto o que sinto. Eu serei tal qual pareço em mim? Quando olho para mim não me percebo. Tenho tanto a mania de sentir, que me extravio às vezes ao sair.
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu, nem sei bem se sou quem em mim sente. Para mim, só o costume de sonhar, sonhar, e deixar-me sonhar.

Thursday, November 11, 2010

Pergunte ao Pó

É preciso uma ode às coisas que perdemos pelo caminho.
Os restos deixados passo-a-passo. Distâncias intermináveis, aquelas que se fazem pela implosão da própria vida. Algo que se quebra, como se pudéssemos gravar, uma câmera lenta, aquilo indo para o chão -milhões de pedaços. Por isso, é preciso uma ode. Àquilo que se perdeu, que se desfez. Estilhaços, pequenos, milimetricos pedaços de tudo. Sujeira, pó, e o contrato infeliz da vida com a coerência. Também é preciso defender-se do estranho sentido que cada palavra tem; cada um desses sons, desses aprendizados com a linguagem. No fundo, somos feitos de palavras. Definimo-nos pela linguagem.

Na mesma sentença, entre o carinho misturado à esperança de nunca estar sozinho, vem as palavras de atuação. Atuação sincera, sem jogos, sem dados, sem peões ou rainhas. Disso, se pode, pouco a pouco sorrir ao ver os antigos se desfazerem em matéria podre. Rir daquilo que se foi, do perdido e do que não era possível. Adiante-se para a frente. Esteja alerta e sempre em prontidão. Deixe sempre o relógio ajustado na hora certa. Escudo, espada e um pé a frente. Abra a porta com cuidado do , pois aqueles que entram demasiadamente rápido são os mais furtivos. Lições de vida. É preciso fazer uma ode a isso tudo: ao que foi, a certeza de que jamais voltará, a surpresa de ter tido coragem para se desfazer do imundo e do amoral. COnsidere-se feliz ao olhar para trás vendo o pó levantando ao vento, lento, quente, gigante. Ali está a sua sorte. A minha, a sua, a nossa sorte. A viagem longa, curta, alegre, jamais está atrás, mas sempre adiante. Um texto esperançoso, despretencioso de quem já soube jogar fora tantas vidas em troca de um pedaço de paz, de um pouco de sorte, de um pouco de amor. Uma ode àqueles que sobreviveram ao engano, ao lascivo e ao infortúnio. Uma ode àqueles que conheceram melhor o céu, depois de se livrarem do passado.
Uma ode.

Friday, October 15, 2010

Beco

- Você está sempre em busca; sempre querendo mais, seja pelos meios tradicionais, seja pela sua força de vontade em querer sempre a primeira gota de chuva.

Fosse pelo que entendemos ao longo da vida. Ensinamentos, rezas, joelhos no milho, afetos mendigados. A escolha é sempre pior do que a decisão. As leis tão duras pra quem pensa demais. Isso é um fato. Exercício difícil. Querer sempre mais páginas. Lembrar sempre que isso tudo não passa de um nada; o vazio que por vezes preenchemos com latas de cerveja, bitucas de cigarros, cartas rasgadas, amigos perdidos, amores esquecidos e ainda aquelas fotografias que disparam a imagem do passado no peito, ardendo, explodindo. E nunca cessamos a busca pela imortalidade. Na verdade, seria uma espécie de busca do vale encantando: buscar, pela eternidade, os pequenos pedaços de felicidade. Junta tudo e coloca no saco. Tá ai o seu viver. E vamos, passo a passo, levando a poeira, arrastando o coração numa longa estrada. Por todos os lados, os antigos rostos, as risadas de outrora, uma juventude que não se quer esquecer. E de aniversário em aniversário, comemoramos o fim e nunca o começo: fim de festa, fim de ano, fim de namoro, fim. A vida, talvez, seja esse final, encerramento de tudo o que se viveu. Ao menos, tenhamos a consciência do quanto se andou, do quanto se errou. Os acertos? Isso deixa pra depois. A preocupação deve ser outra. Pensar, logo, existir. Nunca mais acreditar nas baboseiras iluministas. O melhor mesmo é viver como NIetzsche. E na própria bestialidade, deixar existir felicidade. Os ignorantes, são felizes. Infelizes, somos nós. Isso responde a sua pergunta. Eu queria mesmo era sentir tudo isso no perdão. Levar pra frente só o que é bom. Rancor, mágoa, tristeza e desafetos são pesados demais. Me doem as costas. Seria melhor sentir a leveza, como você disse da gota de chuva. Esperar pouco. Esperar que nada aconteça e viver de surpresas, dia a dia. E toda essa velocidade, a correria cotidiana sem nem saber o porquê. Derrelição, como a Sra. D. Passeando pelos cantos tortos e esquecidos da casa. Eu cheguei a falar disso quando li o livro do Bachelard. O vazio, os cômodos da casa como cômodos do próprio corpo. Ou mesmo no texto do Deleuze em que ele fala do corpo sem órgãos. Queria mesmo era ser um sargento do sexo como Sade. Todas essas minhas experiências literárias e filosóficas sempre ressoam em saudade. Saudade do que li, do que senti, da experiência de ser perfurado por um texto, pouco a pouco, sentindo cada palavra como uma incisão na alma. O ápice do meu intelecto. Mas tudo isso se perdeu, como se perderam os cadernos da universidade. Mas ainda me lembro da professora Leila dizendo que jamais devemos escrever um texto na pureza da inspiração. Texto é trabalho, assim como a poesia. E eu mesmo tenho um estilo de quebrar as orações. Deixá-las pouco tempo do tempo. Assim, faço com tudo. Mas nem era essa a questão. Vamos deixar sempre em aberto. Veja! Essa minha vontade de responder dura pouco. Agora começou a chover. Você mesmo disse algo relacionado a chuva. Olhe pela janela. Talvez eu seja o primeiro pingo.

Tuesday, August 03, 2010

Me preencho na casa vazia. Os quartos tortos, amontoados em cima das mesas e cadeiras, o cheio de comida velha na geladeira e o piso gelado do banheiro. Me preencho na minima solidão do caminhar pela casa. Paredes revisitadas, livros expostos e medíocres obras de arte. A televisão sempre ligada, o alerta das janelas sem cortinas para o mundo exterior. Controlo as forças malignas que pairam do ar. Fantasmas reais, a privada quebrada. Vago pelo quarto. A cama com a sombra dos que já deitaram nela um dia e que hoje residem na memória - sem fotografia. Apago as luzes. Tudo ao meu jeito. A louça acumulada na pia, restos de comida transbordando pelas beiradas.
Deixo estar.
A sala inabitável.
Me preencho na casa vazia. Monstros terríveis, recortes de fotografias, lembranças e açucar espalhado. Aqueço os pés com meias sujas do caminhar, ligo o som, esqueço o mundo com um cigarro acesso e as janelas abertas. No quarto, a televisão ligada em algum programa sobre as imbecilidades do cotidiano. É raro gozar. Sexos mal acolhidos e sempre uma peça de roupa deixada para trás. No dia em que vocÊ foi, joguei tudo fora. Incinerador, quase que poético, idiota em queimar lembranças. E assim ficou. O quarto-verde melhor acomodado, o banheiro quebrado, a pia abarrotada de louça, o chão sujo e as cadeiras quebradas. Assim ficou. A casa me preenchendo o vazio e ali, naquele canto que restou, minha gota de felicidade crescendo. Dia a dia. Uma pequena, idiota, plantinha, preenchendo o pequeno vazio que ficou.

Wednesday, July 14, 2010

Primeira

A primeira vez a gente nunca esquece. É como um cheiro, preso na memória, perdurando no infinito. As mesmas sensações, as associações quase que fictícias, rostos, palavras e tudo o que se experimentou. NAada jamais será com antes. O primeiro tombo, vítima do descuido dos pés, a primeira grande doença, o primeiro livro e a dificuldade em terminá-lo, o primeiro pêlo do peito, beijos, trepas, o primeiro amor, a primeira separação, a primeira desilusão, o primeiro pé na bunda, a primeira viagem, o primeiro cigarro e a tontura que veio logo em seguida, a primeira gozada lá na infância e depois na vida adulta.
A primeira vez a gente nunca esquece. Quase que uma busca diária, vive-se sob o espectro do por vir; a novidade sempre esperada nos minutos da vida. O novo, o inédito parece sempre nos prender na chatice do cotidiano. A vida, sem o novo, sem a primeira vez parece perder o sentido. Pacata, vagarosa, monotona. Seria impossível viver do mesmo, ainda que ele seja o mesmo que a primeira vez. Não da pra reparar que na verdade é tudo uma repetição daquilo que já passou. O primeiro amor será reencontrado outras vezes e assim o primeiro grande show de rock, o primeiro baseado, a primeira trepa apaixonada...
O novo só existe pela nossa criação. Se quisermos, amanhã será um novo dia, ou não. Para mim, este texto é novo, mas já devo ter falado nisso inúmeras vezes. Não dessa forma, não desse jeito, mas certamente isso não é novidade. Trocadilhos à parte, a experiência é o que conta. A memória dos felizes em seus últimos instantes de vida é perceber que a vida foi cheia de primeira-vez. Até hoje me lembro do primeiro porre e mesmo tendo sido ruim na hora, hoje a memória me vem com um sentido de alegria.
A primeira vez a gente nunca esquece. A lição fica. A perdulária vontade do novo. A busca insaciável por tudo aquilo que nunca se viveu, até mesmo o que não foi bom.
É sempre igual. Como hoje, que pela primeira vez, pensei que nada disso faz sentido.

Friday, June 25, 2010

Pós

houve um tempo em que escrever, pintar palavras, era um mal necessário. Aos poucos tudo ia se acumulando, peça por peça, até transbordar num infinito espaço de caracteres específicos. Lia os poemas de Keats, devorava a beleza de seus poemas. Mas a distância fez perder o ritmo das coisas. Tudo do avesso com um sentido oposto. Troquei a cama, a cor da parede, aparelhos eletrônicos e tirei todos os livros e as estantes. Agora, esse espaço vazio, no anseio pelo novo. Ando mal do estômago, me entrego a lábios desconhecidos com uma frequência que não sei administrar. O celular toca, perco as ligações. Prefiro não atendê-las. Um refúgio. Conto as estrelas e torço para que os dias fiquem nublados e taciturnos. Voltei a ler Virginia e descobri novos caminhos em minhas leituras. Há duas semanas que estou gripado. Não diminui o ritmo. Se eu parar, temo que pensar somente nisso. Dói esquecer. A memória pesa, os olhos facilmente se perdem na paisagem e os sonhos são sempre...

A verdade é que o tempo constrói com esses tijolos, pouco a pouco, da dor à mágoa. A decepção que abre o caminho como um facão. Devolvi alguns livros para o quarto. Somente os favoritos. Ainda me faz falta. O tempo arrastado nas nuvens e nos casacos. Ainda faz falta. As palavras todas. As promessas.

Ainda dói. Nas delícias do novo, nos momento cada vez mais sorridentes, ainda dói, dói não lembrar mais como é o seu rosto.

Friday, May 28, 2010

Tudo ressoa. Uma constante de palavras, idéias, pensamentos, ditos. Dessa vez, nenhum não-dito. Do voo livre, a queda, tudo quase como uma vertigem. Eu me equilibrando com uma perna entre muralhas, picos e altas nuvens. Nada pior do que acordar de um sonho. Os olhos, lentamente se movimentando, o pesar do sol entrando novamente, mais um dia, pela janela. Um mundo desmoronando diante de tanta alegria, tanto amor. O mundo se formando em outros mundos, novos formatos, diferenças e pequenas peças que se encaixam. À tudo que se parte ao meio, despedaça. A vida, novamente, se desfazendo da gente. É como um corte, profundo, incisivo. Uma mistura de sangue e dor. Ali, bem no canto, meu coração parou por instantes. Meu peito, minha boca, minha saliva.
O coração, em pedaços.
Ninguém define ou entende dor maior do que ver partir algo que se ama. Tudo ressoa. A saudade, o amor que ficou, a perna se equilibrando para não se deixar cair por terra. O caminho livre. Se somar, se deixar somar, se deixar ir. Tudo isso preso num respiro.

Minuto a minuto.

Thursday, April 22, 2010

Tudo.

Tudo parece estranho. As mudanças inacabadas dos dias intermináveis. Aquela vontade de entender mais sobre políticas modernas e filosofia sofista. Tudo parece estranho quando se têm um tempo a frente. Tarefas e agendas empilhadas, livros e cartas devolvidos aos remetente. A saudade parece ser sempre um tempo paralelo. Lá vivem todos ainda presos nos momentos - pequenas bolhas de histórias. Mas eu não estarei sempre aqui. Escrevo da saudade, como se já tivesse partido, simples assim em primeira pessoa. Lembro de histórias que não vivemos ou de brincadeiras que não tivemos. O peso daquilo que fomos um dia e o peso daquilo que somos. Num futuro, talvez sejamos plumas, deterioradas pela vida e pelo distanciamento. No futuro, sejamos honestos e altruístas. Agora, tudo me parece estranho. Sem linha reta, sem verdade, somente aquele pneu furado e tudo parado no acostamento.

Tudo me parece estranho. Antigos pesadelos. Novos sonhos, carinho e tudo o que restou no canto do olho. Sejamos honestos: aqui ninguém mais está interessado no futuro. Um dia, talvez, eu não esteja mais aqui para contar histórias ou segurar o peso. Um dia é possível que existam outras formas de amor. Por enquanto só o peso do disfarce. Das nossas mentiras.

Monday, April 05, 2010

É preciso um sentido. É precido dar um sentido.
O contrário de tudo e o movimento das nossas manias. Mania de ser, mania de fazer, mania de prestar atenção as coisas que não existem. Do mesmo despertar, também é preciso que haja um sentido. Não basta mais abrir os olhos e ver que outro dia recomeçou. Mais além, nada disso faz sentido. O esgotamento das possibilidades, a fome por algo maior. Talvez seja disso mesmo que as coisas sejam feitas: uma espécie de sentido, de reviravolta, a novidade propriamente dita. E é preciso um sentido. Cortar as manias viciantes, daquelas conversas pelo telefone, das vozes ocultas em diálogos pouco objetivos. Um esconderijo perverso. Todos os jogos para satisfazer o prazer de viver consigo mesmo. Para isso, é preciso que haja um sentido.

Mas, ainda que não haja, as representações devem ser fora o mundo externo. Muita filosofia e pouca atitude. A realidade por si só não basta, é fato. É preciso que haja sempre um pouco de sonho, um pouco de imaginação para que o desespero fique sempre no canto do dia. É preciso que haja sentido nisso tudo. O mundo enquanto vontade de representação e desse mundo o que esperamos do dia-a-dia.

Aqui, o mundo sem razão alguma de existir. Tudo numa distância extrema. Por isso, dar o sentido, por isso pedir uma existência suprema. O vazio de não mais sentir nada, não experimentar a vida como ela deve ser experimentada. Pouca ilusão e muita dose de realidade.

Aqui, é preciso dar um sentido. Sabe-se lá como.

Friday, March 26, 2010

Eu descubro aos poucos, liçoes não aprendidas na infância. Um jeito peculiar de enxergar o mundo refletido pelo olhar alheio. Essa atenção bastarda que o mundo não me dava, os percalços, o mimo. Velhos hábitos, manias e dores que parecem sempre ter mais pressa em chegar. Ninguém gosta de confissões ou meias verdades. É dificil falar sobre aquilo que foi enterrado há muito tempo. Deve ser aquela velha história sobre cicatrizes. Esses machucados que só quem foi abatido, sabe o desprazer de ter a memória sempre cutucando o presente.

Mas tudo é uma medida quase imensurável. A verossimilhança cada vez mais distante, pedindo socorro e gritando aos quatro ventos. Mas as coisas não param. Ao contrário, elas têm uma velocidade maior que a do pensamento. Num piscar de olhos e tudo muda. As paixões, os vicios radicais e o pensamento pragmatica. Aquilo que nos move, enfim é aquilo que nos machuca. Mas toda descoberta leva tempo e precisam de um começo. Eu descubro aos poucos que muito além daquilo que eu enxergava, havia o embaçado. Reflexos de espelhos semelhantes ao que recordo de tempos em tempos. Mas a recordação também é árdua, lenta e trabalhosa. Se pudesse, esqueceria. Algo como um recomeço. Pra que tanto aprendizado?

É esse o grande mistério?

Wednesday, February 24, 2010

Hoje de manhã.

Tudo amanhecendo. Os carros descendo a rua. As luzes das janelas acendendo uma a uma. O Cheiro de café, barulhos de copos e pratos, choros, água escorrendo, pássaros ligeiros e um leve cheiro de vapor de água.
Da exaustão, da tentativa desesperada em se esquecer e ao lado mais escuro. Os dias correram naquela velocidade estranha de quem espera sentado. O tempo que se desfez em pequenos fragmentos de risadas, de olhares e formas de amor. Sim, o tempo requebrado, recortado em milhões de segundos. Assim, como nas letras de música, como nas vezes em que deitamos na cama e ali resgatamos promessas e deixamos uma fé para o futuro. Foi esse o tempo que você quebrou. Marteladas e estilhaços.
E tudo isso, na minha inconstância, na falta de vontade ou atitude. Tudo o que era para ser meu. Agora, tudo vai amanhecendo. A falta de coragem em continuar doando minha vida. Ao nada, ao desespero à calmaria de todas as manhãs.
Dormi por horas de ontem para hoje. Os olhos pesados, o corpo exausto de tudo, de pensar, de deter e de recolher pedaços da realidade. E agora, tudo vai amanhecendo aos poucos. Lembranças de ontem e saudades do amanhã.

Thursday, February 18, 2010

É como se...

tudo fosse uma brincadeira.
É como se toda hora tivesse menos de sessenta minutos. Como se os números somados, não dessem o mesmo resultado exato. É como se cada página do livro estivesse vazia. O plural sem "s". É como se cada batida do coração fosse vazia, sem som, sem trabalho. É como se o corpo desistisse da luta, a luta desistisse da espada e a espada da vitória. Toda inspiração em um único sonho matutino. É como se o sentido da irônia fosse a verdade e a verdade fosse mentira. Como se o dia, não tivesse luz e a noite ensolarada. É como se as letras formassem números. É como se a chuva fosse seca como o solo, e o solo um oceano de água salgada. É como se rezar fosse abrir os olhos. Como se deus fosse uma pessoa e o mistério estivesse revelado. É como se o tiro não disparasse e a bala fosse feita de açucar e o cristal duro como uma rocha. É como se o sentido das coisas não existisse e no lugar somente o que as coisa são. É como se cada música não tivesse som e som fosse apenas o silêncio. Como se o caráter não fosse essência e apenas um ato de coragem e a coragem pudesse ser ensinada. É como se o amor se tornasse racional e a razão virasse paixão. É como se amar fosse tudo isso, ao avesso, contrário a vontade. É como se o desejo não tivesse tesão e o tesão existisse somente no sonho. Todos os sonhos. É como se o ato de amar deixasse de existir e o carinho virasse ódio e o ódio fosse apenas um instinto de defesa. É como se Édipo voltasse a enxergar e Medéia fosse absolvida. É como se tudo fosse brincadeira. Sem sentido, sem receio, sem verdade. É como se todas as máscaras disessem a verdade. É como se amar, amar, amar e amar fosse uma escolha. É como se...

Sunday, January 17, 2010

De volta.

Quando criança, sempre me diziam antigos ditados. Expressões, jargões, frases que, na época, eram sem sentido (uma espécie de brincadeira de adultos). Os castigos eram igualmente acompanhados de conselhos contraditórios. "Você podia tanta coisa", "Diga-me com quem tu andas, e eu te direis quem és" ou qualquer coisa que o valha. E tudo com a mesma expressão no rosto. Um tom acima, a testa enrugada, os olhos semi-cerrados e as mãos que balançavam também como se estivessem tentando explicar tudo o que estava sendo dito. E claro, tudo aquilo que eu não entendia foi assumindo formas diferentes conforme a vida foi passando. Em diferentes momentos, em diferentes épocas em que sentimos crescer dentro de cada um aquilo que depois viria a ser o "eu". A formação estranha, o modo como o mundo entrou pelos olhos e o modo como o caminhar foi aprendido. Os erros, acertos, dores e alegrias. Aí, todos aqueles antigos ditados se tornaram parte desse crescimento.

Tudo passa rapidamente. Até isso me disseram. Num piscar de olhos, tudo pode mudar. Uma simples palavra pode levar um país à guerra. O amor dói. E por ai vai. De toda essa formação, é dificil entender o que foi nosso e o que foi dos outros. As manias excessivas. A falta que faz um conselho. Vez ou outra, abro os olhos e relembro de alguma coisa que minha mãe me disse. Procuro sempre uma espécie de bússula para me dizer onde ir ou quem seguir. No final do dia, a sensação é de que a bússula, ou mapa, está preso em algum lugar do meu corpo. Talvez seja esse o mapa. Seguir a si próprio, num caminho trilhado pelo o que minhas mãos sejam capazes de fazer.

Mas a vida e aqueles que estão juntos têm um peso. O fardo, como diriam, pesado demais para ser carregado. E eu não sou religioso. Isso me ensinaram. A vida por si só já tem o seu peso. E quando eu era criança eu não entendia muito bem o que isso significava.

Quando criança eu não sabia que a vida em si não é pesada. Talvez hoje eu entenda que O peso não está na vida, mas naquilo que carregamos ao longo do caminho.