Quando adolescente, tive contato com grandes clássicos da literatura. Por influência do meu padrasto, inicie-me na leitura de grandes nomes como Alencar, Machado e Monteiro Lobato. Posteriormente, da amizade com a uma senhora linda e simpática, dona de um sebo de livros no Itaim, meu espólio de leitura aumentou. Passei a ler, por indicação, Nobokov, Jane Austen, Laclos, Eça de Queiroz (que segundo ela sabia descrever o sabor das tradicionais comidas portuguesas como nenhum outro autor). Desses encontros, ganhei em um natal um livro volumoso, antigo e com cheiro de passadas de mão chamado Grandes Esperanças. O autor, Charles Dickens, um dos maiores nomes da literatura inglesa e atormentado pelas memórias da infância triste, pobre e mal-resolvida, causou-me um impacto maior do que eu poderia supor anos mais tarde. Dickens certa vez disse "it was the best of times and the worst of times (...)". Referindo-se a incapacidade dos homens em conciliar o Bem e o Mal no cotidiano. Anos e anos mais tarde, Freud completou em uma entrevista, ao ser questionado sobre o que seria uma pessoa normal, dizendo que uma pessoa normal é aquela que consegue conciliar o amor e o trabalho. Esse equilíbrio do viver responsável (racional) e do viver lúdico (passional). Essa pessoa que entende que o equilíbrio da vida deve pesar as neuroses da ética e da moral com os impulsos sexuais. Daí, nasce a incapacidade do homem contemporâneo em atingir um certo estado de felicidade, não plena, e tão pouco momentânea. Dickens, estava certo. Hoje, são os dias somados, subtraídos e multiplicados por milhões de afazeres chatos à alma, essenciais ao viver e ainda assim, cansativos.
Esses dias ensolarados que ao entardecer trovejam, relampeiam, jorram fortes lascas de chuva grossa e gelada. Nada tão incomum quanto isso. Ainda, temos as variedades do cotidiano: arrumar um namorado, estudar, trabalhar e todos os outros pormenores dos dias que somados, formam um grande círculo de mediocridade, sentimentalismo e castração. E isso não pode ser somente uma fixação da infância, como no caso das fases freudianas mal resolvidas. Roer a unha pode ser um sintoma de nervosismo, puro e simplesmente. E tudo isso se somando ao final de semana, ainda pode dar um resultado, talvez, delicioso. O descanso, os atos típicos do cansaço. Dessa delícia, nos fazemos. Os anos passam, as horas cada vez mais apertadas, os cabelos envelhecendo, a pele do rosto se contraíndo, as mãos com calos incuráveis. Uns chamam de envelhecer. Outros, recusam as linhas de um tempo que jamais voltará, mas que deixou as marcas para os espelhos, lembrando sempre o quanto se passou, de bom, de ruim, dos tempos de infância e banhos de mangueira no verão. São as linhas da saudade e concomitante ao Eterno Retorno - essa aproximação, cada vez mais veloz ao ancestral, ao espírito e ao pó.
Hoje, sinto saudade. Houve um tempo em que minha única preocupação era nunca ter lido Goethe. Mal sabia, lá atrás, que um dia, isso seria saudade e não conhecimento.
1 comment:
como é que pode vc resumir num texto a minha sessão de hj com a terapeuta...
É isso que eu chamo de ciclos, estamos vivendo o mesmo e entrando em harmonia para a conquista que vem la na frente
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