Os livros permaneciam empilhados na estante. Um sobre o outro. Algumas fotos esquecidas mediavam o pequeno espaço entre eles. Aquele lugar era segredo. Ocultava os mistérios dos momentos em que Julia sentava na cama, abria a primeira página e lia com gozo infantil o primeiro parágrafo. Um sobre o outro, os livros pareciam querer contar a vida como se eles fossem feitos de um presente, tomados pelas recordações assentadas entre as capas e as páginas. Há tempos que estavam ali naquela estante torta de madeira barata e sem cor. Alguns com as bordas rasgadas, outros em estado de emergência, mas empilhados uns sobre os outros. Os marca textos queriam poder ter chegado ao final, mas ficaram parados naquele tempo da preguiça em terminar o primeiro parágrafo; outros, afortunados, ultrapassaram a página vinte ou trinta, na melhor das hipóteses. Ali naquele espaço de tempos, todos guardavam em si um segredo e uma vontade. Pareciam ter vida. Em alguns, Julia deixava um registro a lápis, quase como se fosse uma borda para a primeira página. Eram rabiscos, desenhos tolos e pequenos poemas. Em casos raros, circulava palavras que lhe interessavam como “falácia”, “promontório”, “amor”. Mas estavam ali, obscuros, empilhados uns sobre os outros. Julia passava as mãos lentamente por eles na tentativa de senti-los respirar. Esquecia-se de ordena-los por título, autor, ano de publicação e assim deixava apenas uma ordem de chegada. Na compra de um novo título, corria a colocar o exemplar em último lugar, pois assim sabia que não haveria a obrigação de ler ou catalogar. O pó seco que vinha pela janela alojava-se como um inquilino vitalício e o sol raras vezes alcançava a estante. O tempo corria sem sentido naquele lugar de assombrações. Um a um os livros permaneciam empilhados na estante, entre as recordações e o passado. Presos no espaço.
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