Tuesday, February 24, 2009

Além

É difícil estabelecer relações.
Seja da ordem que for, as relações devem ter uma espécie de ligação-maior. Algo que vá além do simples hábito, do cotidiano e do experimental.E mesmo as pequenas relações também devem ter aquele caráter passional. Mas de todo modo, é de extrema dificuldade estabelecer essas relações.
Na estante de livros, olho e de súbito percebo que há história ali. O modo como sempre datei os livros que adquiri e mesmo os bilhetes escondidos, anotações de rodapé, orelhas dobradas. Tudo ali dentro daquelas páginas. Uma história de muitos anos. E eu tenho essa relação com meus livros. O prazer de tê-los, o prazer de sentí-los envelhecendo comigo - os anos que se passam e as leituras em cada fase, adquirindo uma vida nova além daquela que está sendo contada dentro dele. Ali também, elaborei trilhas sonoras do jazz ao mais pop, passando pelos clássicos. Lia Tolstói ouvindo as sinfonias russas. Deixei todas essas histórias em estantes fora de ordem, empilhados e envelhecidos.
É dificl estabelecer relações. Com os livros é uma ligação-maior. vou além daquilo que conheço. E talvez, seja a única relação que nunca se vai. Não há cortes, desavenças.

É a única que sempre ficou.

Saturday, February 14, 2009

Cartola.

É difícil acreditar em mágica. Seja no circo, seja em praça pública, o festival todo sempre parece truque para criança.


Os coelhos saem de cartolas, mulher cerrada ao meio e, claro, aquele velho truque de tirar a moeda por trás da orelha. É difícil acreditar em mágica. Talvez tenham que adotar, ou resgatar, aquele velho olhar de criança ingênua. Aí, a mágica passa a existir.


É difícil acreditar em mágica, mas parece que o truque nos persegue. E como seria bom se a vida pudesse acontecer num passe de mágica. Como se seria se realmente o coelho estivesse dentro da cartola e, melhor ainda, se a moeda estivesse de fato atrás da orelha. As crianças acreditam. São capazes de trair a mais pura razão em troca de puros momentos de magia.


É difícil acreditar em magia. A magia de cores que se fundem formando uma nova cor, a magia de se criar maravilhas da arquitetura. A magia também tem os seus significados para o público descrente. Mesmo que científicos, um arco-íris só é bonito se acreditarmos na magia de vê-lo no céu depois da chuva. São as evidências menos temporais que nos fazem, pelo menos, uma vez na vida dizer: mágico.


Mesmo que seja difícil acreditar em magia.

Tuesday, February 03, 2009

Testemunha

Eu trago heranças comigo. Trago formas distintas de traumas, paganismos e aversões. O que me foi dado, aquilo que se transformou e que fez de tudo uma grande dilema moral, agora é a base para essa construção mal progetada. As pinturas na parede, as cartas seladas, a gaveta cheia de poeira e vontades.
Eu trago um pouco de tudo. Dos estudos de filosofia, a psiquiatria auto-didata, as críticas literárias, estudos Woolfianos e lingüísticos. Falo e penso em Shopenhauer, Nietzsche e Deleuze. Acendo cigarros com os dias contados e ainda penso em como será quando eu estiver de cabelos brancos. As perspectivas do mundo, parecem, sempre um mundo distante. Vou devagar. Lendo mensagens no metrô, procurando espaços em locais fechados, abrindo o guarda-chuva e esperando o dia passar. Essa pouca esperança de encontrar ao fim de cada caminhada outros pés que não sejam os meus. Da perfeição já me bastam os Magrittes e as fotografias de Eggleston. Aqui ao lado não espero mais do que um singelo e elegante sorriso. As formas invariáveis e o mesmo jeito de entender tudo e todos os mesmo tempo.
Eu trago essa herança. Tudo acontece como se estivéssemos presos por um fino fio de seda. Por vezes colorido, ele parece nunca romper. Ali e aqui, vou procurando espaços na estante e empilhando livros.
Mas a herança mesmo, chega nos lugares mais inusitados. Um certo padrão de sorrir.

Monday, February 02, 2009

Versão Verão.

Aquela doçura, como criança ou como doce, vem e volta. Em céus azuis, laranjas, verdes e cinzas. No anúncio de uma palavra e mesmo no sibilar das entrelinhas. Dessa intimidade, vem a nascente borbulhar pequenas gotas de um novo sabor. Dizem, mesmo que enganados, que tenho o dom da palavra. Com ela, já cortei laços, já fiz dos meus corações pequenos mundos. Já arruinei minha filosofia, abandonei vícios de longa vida. Mas ainda, sinto tudo num pequeno mal estar. Em viver, o clichê, de se entender cotidianos pequeninos quando há tanto lá fora pra se ver. Quando criança tinha sonhos. Sonhava em ter uma cama voadora. Passava horas imaginando como seria ir para os lugares mais inóspitos com essa cama-mágica. Ir aos confins do mundo. Deitar com jacarés ou mesmo meditar ao lado de leões e ursos polares. Tudo porque ali eu estaria seguro, seguro do mundo, de mim, dos outros, da mesmice ou de tentar entender como é que as coisas funcionam. Essa doçura de inventar bobagens, é isso que falta cada vez que dou um passo. Nas confusões, nas noitadas de sábado, no calor das segundas ou na frustração de sextas-feiras. Tudo querendo fugir, escapar para longe. Na cama-mágica, no quarto ou na casa repartida. Se tudo isso fosse um baralho, eu certamente tiraria o coringa.
Risos à parte.