Talvez seja isso mesmo. Uma grande soma de tudo que existe, existiu e existirá. Conjugar em todos os tempos a mesma coisa. Talvez seja isso. Escrever um texto como se fosse a primeira vez. Segurar o lápis apontado, encarar a folha branca e inóspita. Timidamente desenhar a primeira letra daquilo que pode ser o começo da vida. Talvez seja isso.
A primeira vez que olhamos para o mar. Aquele breve momento em que enxergamos uma distância sem calcular o seu término. Grandes espaços de paisagens infinitas. Talvez seja isso.
A sensação de que o mundo não é uma coisa só. Esses aglomerados de imagens, sobrepostas umas às outras como livros em uma estante. Um futuro que não conseguimos imaginar. Talvez seja isso.
A versão mais curta dos fatos: esse é o destino dos fracos ansiosos. A versão curta e editada do que pode acontecer. Ninguém entende de amor. Ninguém entende da morte ou mesmo do começo de tudo. Tantas desilusões e pouca lição. Os deveres de casa a começar pelo exercício de matemática. E nada fez sentido. Talvez seja o inverno onde tudo fica reservado dentro do corpo, percorrendo lugares inusitados, passeando pelos poucos momentos de calor, a mão caída no corpo, o copo de vinho e a risada mais sincera do mundo. O frio, o frio que reserva surpresas quentes, olhares distantes, olhos entre-cortados pelo vento e a boca rachada. Um certo gosto de quero mais por todos os minutos de um dia. Daí, entram as horas, sempre vagarosas como se para elas o tempo não existisse no relógio, mas fosse um outro tempo, talvez mais demorado do que o restante do dia. Pode ser a loucura. O frio tem dessas coisas. A busca constante pelo aquecer, o pouco que se pode ter com os casacos e as aconchegantes blusas de lã grossa. Talvez seja isso. Um sensação infantil, rápida como a primeira palavra do dia e a última palavra de uma despedida. As vontades, como o frio, procuram momentos, eternos momentos e aguardam ansiosamente o dia da despedida. Mas esse dia parece nunca chegar. O dia do adeus, do até logo e do simples tchau-até-amanhã. Pode ser o frio. O inverno que faz o corpo se recolher, deixando a pele mais sensível, o lábio rachado e as mãos escondidas no bolso. Talvez seja o frio. O inverno deixando tudo uniforme ou a mistura de todas as cores, de tudo que se passou e remontando um novo começo. Máscaras e mais máscaras, toscos jogadores, versos incompletos, matéria do amor. Nunca é possível terminar um texto. Antes de tudo, o adeus à palavra. Talvez seja isso.
Talvez, não.