Wednesday, May 11, 2011

Quem conta, um conto

Faz algum tempo que aprendi a contar o tempo. Contar como um conto, curtas estórias, cortar em pedaços pequenos; contar batidas recorrentes do relógio, estranhos sons de tic tac e cooco, como naquele antigo relógio que uma tia, já morta, tinha em sua parede: era velho, de marcenaria, mas funcionava pontualmente com o passarinho indo e vindo na hora marcada. E nem sei que fim teve aquele antigo relógio. A relíquia da velha megera. Eu mesmo nunca procurei saber. Estranho saber contar o tempo sem nunca sequer ter sido um bom aluno de matemática. Demorei inclusive para aprender a ler as horas em relógios analógicos. Até hoje tenho um método próprio. Contas como se estivesse multiplicando. Mas hoje, contos outros tempos. Conto, em tom professoral, não para qualquer um, mas para mim. Um trabalho precisamente solitário esse: contar os tempos, contar os dias, os meses, as horas, datas, tudo atrelado às memórias delicadas ou pesadas, mas sempre atrelados a um passar do tempo que não chega à reta final. Ao contrário, parece que nunca chego a alcançá-lo. Tempo ocioso esse. Tempo difícil. Não que seja apenas de uma vida, o que me faz ser um pouco mais velho do que realmente sou. Eu li muito Bergson na universidade para entender os espaços da memória comum e entender como é possível nunca existir o agora. E tudo parece perdido dentro de uma imensidão de lacunas e espaços habitados, quase como uma bolha de sabão, cheia de ar, presa por aquela mistura química, subindo, subindo, subindo até perder a força e explodir no ar sem deixar rastros. Memórias curtas de eventos.

Exercício de muitos e muitos anos, práticas forçadas. Contar o tempo nunca é fácil. É preciso enganar a si mesmo, acreditando que aquilo que passou não existe mais e que o agora é o presente. Nem isso se pode afirmar. Passado é passado, presente é presente. Pensando bem, esses tempos só existem para dar rumo ao futuro ou à marcha da mortalidade. Esses tempos construídos e mecânicos, como os meus tempos que conto de hora em hora. Desejo insano esse. Eu mesmo acho que nem posso afirmar que sei contar tempos, sei contar estórias de tempos que foram, vão e estão ainda aqui, perdurados na janela do anseio, na janela espreitando novos tempos para serem contados. E mesmo agora, perdendo o fio da meada, me esqueci de qual tempo estou falando, ou mesmo se falei de algum tempo específico. É essa memória dissolvida, melancólica que não deixa nada escapar. A memória que reconstrói todos os tempos, seja ele morto ou vivo e real como agora.

De tempos em tempos, me recordo. Talvez para reviver, ou quem sabe para nunca esquecer todos os tempos que já vivi, ou simplesmente para lembrar que sou feito de todos os tempos.

Thursday, April 28, 2011

Bedtime storie

Eu ligo o rádio, tentando tapear o silêncio dos outros quartos, só pra dizer:

- Não fui sempre assim. A gente muda com o tempo. (Things haven't been the same since you came into my life ). Estranho isso. Estranho como posso ser muitos em apenas um só. Eu chego a me perder nesse estranho e indiferente mundo que eu criei (You found a way to touch my soul and I'm never ever ever gonna let it go). Translúcido, incônico e pouco sentimental. Mas eu sou, como você pode perceber...Faz tempo que eu não deixo rastros. Imagina um revólver disparando uma bala. É quase isso. Metáforas, metonímeas, um contrato de fogo que tenho com o meu corpo. Eu já deitei tantas vezes pensando em você. Eu só queria dizer o quanto tudo isso tem significado (Happiness lies in your own hand It took me much too long to understand) e pode não parecer, mas eu to até agora gozando, sentindo cada gosto do seu corpo (How it could be until you shared your secret with me...) como se você ainda estivesse me fodendo; o gosto da sua perna é diferente da sua barriga (You gave me back the paradise that I thought I lost for good ). A sua barriga tem um gosto diferente dos seus braços, mas nada se compara ao sabor dos seus dedos, por isso eu sempre peço por eles em mim ou me fazendo calar a boca por alguns instantes enquanto delicadamente deixo que você me vire de lado (You helped me find the reasons why it took me by surprise that you understood ). Mas eu nunca sei quando devo deixar tudo isso sair. Palavras, obscenidades. Deixar vulnerável aquilo que eu demorei tanto tempo para esconder (Until I learned to love myself i was never ever lovin' anybody else). Você sabe como é isso! Vem de repente, de tanta porrada na cabeça. Um dia você acorda e percebe que perdeu a doçura, o gosto pelo outro e a ingenuidade. É tudo tão frágil. Eu sou frágil, quase oco. Deve ser por isso que a cada beijo, você tira um pedaço dessa armadura. (Happiness lies in your own hand It took me much too long to understand) A cada trepa você retira de mim um pedaço da...Sim, o gosto da sua boca é diferente. Algo parecido com leite adocicado. Gosto de quem escova sempre os dentes. Gosto de língua limpa. As vezes, chego em casa e ainda estou com o cheiro, o seu cheiro, não o cheiro de perfumes amadeirados, mas o seu cheiro. Suor, cheiro de pele, cheiro de foda, cheiro de porra misturados ao meu perfume doce e enjoativo (Something's comin' over mmm-mmm, something's comin' over). Chego ardendo e mal consigo me segurar nas pernas lembrando as várias vezes em que você se enfiou em mim. Sim, você pode ser selvagem as vezes e eu nem gosto que me tratem bem durante o sexo. (My baby's got a secret) Não, não precisa de muito. Basta fazer o que você faz ( something's comin' over me ). Me deitar como você me deita, ordenando onde vou e onde não vou e me dizendo a hora que eu posso gemer e quando devo calar a boca. Eu acho que todo mundo tem um segredo. Todo mundo guarda dentro de si um segredo. (something's comin' over me) O seu? (My baby's got a secret) Não sei. Não sei mesmo. Talvez seja querer, me querer sempre dentro de você, sem culpa, sem dor, sem amor. Sò em segredo. (My baby's got a secret for me...)

Desligo o rádio para ouvir o seu beijo nas minhas costas.

Thursday, April 14, 2011

Guarda-sol

- As semelhanças se dividem.

Prefiro os outros tipos de paz. Estou me dando férias de tantas desavenças; perder-me entre o passado e o presente, talvez tentando conciliar os erros com os futuros (esperados) acertos. Sem viagens, destinos ensolarados ou monumentos culturais. É o simples prazer de estar sendo, e como diria, ter sido.

- As semelhanças que se encontram.

Poderia traçar um estirão de caminhada rumo a coisas que eu nem bem sei como seriam. Ou tracejar com giz, uma linha que me levasse àquele lugar tão distante do que sou agora. Seria, de fato, um acerto de contas e ao final eu me pintaria como a Revolução de Delacroix. Por hora, desisti de quase tudo. Guardei uma gota de esperança, risadas intensas e deixei dois livros no criado-mudo como leitura obrigatória.

- Somos a anti semelhança.

Quando, nesse descanso, poderia eu ter encontrado forma de fazer as pazes comigo? Sim, por vezes é comum quebrar-se em vários, como um graveto já velho e ressaco, sem forças para continuar erguendo-se e defendendo-se do vento. Nada perdido. Entender-se entre alguns braços fortes, beijos desejados e na cor esverdeada "do seu olho". Achar-me assim, estirado em algum lugar quase imaculado. Realidade imposta para tudo:

"nesse mais intenso esquecimento, encontro-me dentro do seu corpo. Esse prazer que é sentir o gosto da sua boca, agarrando seu cabelo por trás cortado a meu pedido. Você calando-me nas dores do seu movimento contra mim e para mim. A peça encaixada. Sou teu parafuso. Enrosco-me em você feito cobra atípica e sem veneno, esperando pelo seu soco mundano. Lá fora, o tempo que se foda, porque aqui, dentro de tantas alcovas, só você sabe como fazer da conversa, o meu corpo tremer e tremer e tremer. Aqui, nas minhas férias, você que sente como eu o prazer de uma boa foda"

E nem seriam férias se não fosse por aquilo que se junta ao prazer, ao desgosto numa equação de irracionalidades experimentais. Sentir-se oco, sem os aborrecimentos do dia-a-dia. Uma espécie de selvageria. E sim, você me dá o que em anos não me deram. Não só a você devo essa tranqüilidade imoral. Devo a vários. Mas eu insisto em te encontrar, meio que na calada da noite, na minha casa deserta, sem os cheiros da velharia, justamente aqui, onde jaz o que foi um grande amor, ou vários amores dissolvidos por músicas, estraçalhados junto com as pilhas de livros e os quadros falsificados. E quando dou por mim, estou saboreando o roxo na minha perna e redesenhando a marca dos seus dentes no meu peito. E nem parece que somos duas galáxias distantes. Guardarei assim esses instantes, curtos e saborosos.

- Mas somos a semelhança que se encontra, se dividem, se misturam, formando uma célula pequena em transição.

- Ou somos apenas uma bela foda. Bem dada.

Wednesday, February 16, 2011

Novo

As viradas de ano são engraçadas. Tudo aquilo que deveria ter um gosto de simplicidade, se transformando em grandes questões metafísicas. Ou talvez seja apenas eu que espero de mim e do mundo, execessos e excessos. Não dá pra levar nada a sério. O ano que começa já cansado, os dias arrastados pela mesmice e o que fazer quando tudo o que resta é o final de semana? A espera pelo depósito do salário, pequenos momentos de emoção, noites e noites e só mesmo as amizades para salvar a chatice que é mais um novo ano. Difiícl encontrar o paradeiro daquilo que se programou, daquilo que se tentou fazer e não deu certo. E mesmo as promessas pagãs não foram cumpridas. Junto com o ano, começar a contagem regressiva para os trinta, o peso dos trinta. Nas costas, ainda os antigos problemas, becos sem saída, velhos hábitos e toda aquela porcaria que por vezes não conseguimos nos desvenciliar. Vai ser difícil fazer trinta e ver que pouco daquilo que se sonhou foi realmente conquistado. As vezes a melhor maneira de realizar um sonho é acordar, ainda que o lugar onde se esteja sonhando não é o mesmo que se planejou. O príncipe encantado, que nem era tão encantado assim não veio, os poemas se perderam em formatações, falas e mais falas esquecidas. Que chatice é começar um novo ano. Nada mais parece tão simples. A urgência de executar, às pressas, os deveres e direitos. Ser um bom cidadão, ser uma pessoa melhor, colher mais frutos, reler alguns livros importantes, tentar e tentar. E não cessa aquela antiga preguiça da vida, mesmo quando tudo parece já ter acontecido, de bom e ruim, o melhor parece ser aquele sonho distante, um sonho onde tudo fosse diferente do que foi; dores apagadas, uma outra história, outra infância, outro tipo de sofrimento e novas histórias de almoços de domingo com a família. Mas já eu já havia sido alertado de que aquilo que não dói no início, dói no fim. Não, não é pessimismo, muito menos pretensão de ser um niilista. Realidade e mais realidade. Uma dureza capaz de esmagar a simplicidade das coisas. Cada ano parece ter o seu roteiro. Para este, esqueci de colocar as frases, ou talvez nem tenha querido descobrí-las nessa antecedência apressada. Mas a vida cobra, com direito a papel timbrado e aviso telefônico. O que resta é encarar a chatice, a mesmice, o ordinário de cada dia e viver.
Quem sabe um dia, os dias, o dia, passe devegar, realizados naquilo que conquistamos aos poucos, sementes e alegrias. Talvez, talvez, um dia isso tudo deixe de ser chato, fazer trinta seja bastante alegre e aos quarenta eu leia isso e dê risada. Ou o avesso.